O Estado brasileiro passa por uma crise de
legitimidade em sua política criminal. Falta um controle eficaz e preventivo da
segurança pública, notadamente nos grandes centros urbanos. Seria vantajoso
para o Estado optar por políticas criminais preventivas, em contraposição à
falência das políticas assentadas na repressão penal.
A criminalidade deve ser analisada no
contexto da realidade social em que está inserida – não como um problema
somente da polícia, mas também como um problema político e, portanto, de toda a
sociedade. Até mesmo porque não se pode desculpar o Estado e a sociedade por
não promoverem as políticas públicas necessárias para impedir que se forme uma
camada social marginalizada que encontra no crime a única possibilidade de ascensão
social.
A implementação de políticas públicas pressupõe
um conjunto de ações governamentais que não devem limitar-se à atuação das
instituições policiais, já que o crescimento da violência e da insegurança tem
um impacto direto no projeto de consolidação da democracia. É preciso buscar e
criar modelos de policiamento que se amoldem à vida democrática, apesar de, no
Brasil, estar ocorrendo um recrudescimento e um retrocesso em termos penais,
pois inúmeras leis mais repressivas e vedadoras de garantias do indivíduo têm
sido postas à aplicação (inclusive a fascista e ultrapassada Lei de Segurança
Nacional).
É necessário adotar uma nova postura na
segurança pública, alicerçada nos valores democráticos de policiamento e consubstanciada
no modelo gerencial de administração pública, em contraposição à violação e ao
desrespeito aos direitos humanos, uma vez que é no exercício policial que eles,
geralmente, ocorrem.
Infelizmente, quando se cogita conter a
criminalidade, ressaltam-se propostas exclusivamente repressivas. É que, equivocadamente,
muitos creem que seja preciso aumentar o rigor das leis penais e dotar a
polícia da capacidade de deter a criminalidade com violência excessiva, negligenciando
os direitos fundamentais do Estado democrático, fechando os olhos à violência, à
corrupção e aos abusos cometidos por maus policiais. (Não é de mais leis que o
Brasil precisa. Leis nós temos de sobra. Urge é aplicá-las, de fato.)
Há desrespeito aos direitos humanos cometido
por maus policiais. Então, os policiais devem ser mais bem preparados para
interagir com o cidadão, antever as necessidades e solucionar os conflitos em
conjunto com a comunidade, baseando-se na convicção de que o policiamento será
mais efetivo se tiver o apoio e o envolvimento da comunidade.
Constantes violações aos direitos dos
cidadãos perpetradas pelo Estado, especialmente pela polícia, são cometidas em
nome do “controle” da criminalidade, ensejando um distanciamento entre o
sistema de segurança pública e a comunidade. Em nome do controle da criminalidade,
especialmente na doutrina de combate ao crime, pautada na repressão, defendida
e implantada por diversos gestores da segurança pública, a polícia acaba por
atacar, constantemente, os direitos humanos, por meio do emprego de demasiada
violência, ensejando a perda da legitimidade perante a população e a sociedade
como um todo.
Rio de Janeiro e São Paulo espelham bem esse
contexto, dada a frequência dos eventos de violência contra as pessoas que têm
provocado denúncias por violação de direitos humanos, em muitos casos cometidos
pelos próprios agentes de segurança. A tradicional doutrina de polícia centrada
na repressão, no controle penal da criminalidade e no distanciamento do policial
com a comunidade contrapõe-se ao Estado democrático, que enfatiza uma polícia
de proximidade, componente de um sistema que engloba um conjunto de órgãos e
políticas públicas em parceria com a comunidade, com atuação interdisciplinar e
multifocal.
Existe uma cultura de confronto
que está arraigada, especialmente, na Polícia Militar. E a opinião pública tem
cobrado mudanças na conduta policial. Deter e prender uma pessoa
inocente sob falsas acusações, agredir, atirar imotivadamente e assassinar,
desrespeitando os direitos civis do indivíduo e as etapas de uma investigação
ou de um processo judicial, agravam os casos de violência praticada
por policiais.
Cabe ao Estado encontrar o ponto de
equilíbrio entre a responsabilidade de garantir a liberdade dos cidadãos e,
simultaneamente, a sua segurança, sem, contudo, triscar o exercício dos demais
direitos fundamentais. É estratégico aprofundar as relações da polícia com a
comunidade, pois a comunidade conhece a maioria de seus problemas, e seu
esforço, em parceria com a polícia, pode produzir resultados significativos na
redução e prevenção da violência.
(Cruzeiro-DF,
23 de março de 2014)