domingo, 23 de março de 2014

É NECESSÁRIA UMA NOVA POSTURA NA SEGURANÇA PÚBLICA

 
O Estado brasileiro passa por uma crise de legitimidade em sua política criminal. Falta um controle eficaz e preventivo da segurança pública, notadamente nos grandes centros urbanos. Seria vantajoso para o Estado optar por políticas criminais preventivas, em contraposição à falência das políticas assentadas na repressão penal.
A criminalidade deve ser analisada no contexto da realidade social em que está inserida – não como um problema somente da polícia, mas também como um problema político e, portanto, de toda a sociedade. Até mesmo porque não se pode desculpar o Estado e a sociedade por não promoverem as políticas públicas necessárias para impedir que se forme uma camada social marginalizada que encontra no crime a única possibilidade de ascensão social.
A implementação de políticas públicas pressupõe um conjunto de ações governamentais que não devem limitar-se à atuação das instituições policiais, já que o crescimento da violência e da insegurança tem um impacto direto no projeto de consolidação da democracia. É preciso buscar e criar modelos de policiamento que se amoldem à vida democrática, apesar de, no Brasil, estar ocorrendo um recrudescimento e um retrocesso em termos penais, pois inúmeras leis mais repressivas e vedadoras de garantias do indivíduo têm sido postas à aplicação (inclusive a fascista e ultrapassada Lei de Segurança Nacional).
É necessário adotar uma nova postura na segurança pública, alicerçada nos valores democráticos de policiamento e consubstanciada no modelo gerencial de administração pública, em contraposição à violação e ao desrespeito aos direitos humanos, uma vez que é no exercício policial que eles, geralmente, ocorrem.
Infelizmente, quando se cogita conter a criminalidade, ressaltam-se propostas exclusivamente repressivas. É que, equivocadamente, muitos creem que seja preciso aumentar o rigor das leis penais e dotar a polícia da capacidade de deter a criminalidade com violência excessiva, negligenciando os direitos fundamentais do Estado democrático, fechando os olhos à violência, à corrupção e aos abusos cometidos por maus policiais. (Não é de mais leis que o Brasil precisa. Leis nós temos de sobra. Urge é aplicá-las, de fato.)
Há desrespeito aos direitos humanos cometido por maus policiais. Então, os policiais devem ser mais bem preparados para interagir com o cidadão, antever as necessidades e solucionar os conflitos em conjunto com a comunidade, baseando-se na convicção de que o policiamento será mais efetivo se tiver o apoio e o envolvimento da comunidade.
Constantes violações aos direitos dos cidadãos perpetradas pelo Estado, especialmente pela polícia, são cometidas em nome do “controle” da criminalidade, ensejando um distanciamento entre o sistema de segurança pública e a comunidade. Em nome do controle da criminalidade, especialmente na doutrina de combate ao crime, pautada na repressão, defendida e implantada por diversos gestores da segurança pública, a polícia acaba por atacar, constantemente, os direitos humanos, por meio do emprego de demasiada violência, ensejando a perda da legitimidade perante a população e a sociedade como um todo.
Rio de Janeiro e São Paulo espelham bem esse contexto, dada a frequência dos eventos de violência contra as pessoas que têm provocado denúncias por violação de direitos humanos, em muitos casos cometidos pelos próprios agentes de segurança. A tradicional doutrina de polícia centrada na repressão, no controle penal da criminalidade e no distanciamento do policial com a comunidade contrapõe-se ao Estado democrático, que enfatiza uma polícia de proximidade, componente de um sistema que engloba um conjunto de órgãos e políticas públicas em parceria com a comunidade, com atuação interdisciplinar e multifocal.
Existe uma cultura de confronto que está arraigada, especialmente, na Polícia Militar. E a opinião pública tem cobrado mudanças na conduta policial. Deter e prender uma pessoa inocente sob falsas acusações, agredir, atirar imotivadamente e assassinar, desrespeitando os direitos civis do indivíduo e as etapas de uma investigação ou de um processo judicial, agravam os casos de  violência praticada por policiais.
Cabe ao Estado encontrar o ponto de equilíbrio entre a responsabilidade de garantir a liberdade dos cidadãos e, simultaneamente, a sua segurança, sem, contudo, triscar o exercício dos demais direitos fundamentais. É estratégico aprofundar as relações da polícia com a comunidade, pois a comunidade conhece a maioria de seus problemas, e seu esforço, em parceria com a polícia, pode produzir resultados significativos na redução e prevenção da violência.
(Cruzeiro-DF, 23 de março de 2014)