O Distrito Federal tem-se
destacado como uma das Unidades da Federação em que a corrupção ocorre com
maior incidência, chegando a comprometer a própria autoestima da população e
dos políticos probos do DF. Nesse aspecto, Brasília é uma ferida aberta que se
ressente de inúmeros escândalos impunes que destacam negativamente a história
do País – desde o chamado Buritigate, em 1973, até a Caixa de Pandora, em 2009,
passando por uma série de situações moralmente vexatórias para a vida pública
de diversos políticos e governos do DF.
A corrupção é um dos elementos
centrais de frequentes crises políticas na Capital Federal que submetem a
democracia, principalmente no que tange ao aspecto da despolitização como
barreira ideológica interposta à participação do indivíduo e da sociedade civil
no poder local. Ela desestimula a
população a integrar-se como agente do processo político pela ideologia que é
implantada pelas próprias oligarquias corruptas no seio da sociedade, sob a
alegação de que “todo político é corrupto”, “não há como fazer política sem
praticar corrupção” e outras balelas que, propositalmente, afastam o cidadão da
prática política, fazem com que ele se recuse a participar do próprio poder local
e, assim, deixe o campo livre para que os corruptos continuem a locupletar-se,
comprometendo a democracia.
São poderosas organizações
criminosas que se infiltram na administração pública em detrimento da
moralidade administrativa, da gestão do dinheiro público, dando causa a
serviços sem qualidade e que usam o dinheiro do Estado para fins privados. Utilizam
a máquina administrativa para finalidades criminosas, nomeando verdadeiros
ladrões para ocupar postos-chaves para a prática de atos na administração que
visam garantir as finalidades e objetivos mafiosos; controlam seus atos,
fiscalizando o cumprimento de suas ordens, solicitam de empresas um percentual
certo de propina, a ser calculado sobre os pagamentos feitos por prestação de
serviços, idealizam todas as ações administrativas e privadas que viabilizam o
pagamento de verbas públicas, sobre cujo valor é calculado o montante da
“gorjeta”.
Eles exigem a entrega para si de
sua parte na velhacaria e determinam o pagamento para comprar apoio político e
econômico no interesse da quadrilha. A dispensa de licitação e a licitação
fraudada têm o objetivo de assegurar a contratação de empresas envolvidas no
esquema ilícito da gangue.
O reconhecimento de dívida por prestação de
serviços, que deveriam ter sido licitados, garante elevados pagamentos às
empresas envolvidas no esquema ilegal da quadrilha. Eles recebem a propina dos
representantes das empresas, no momento mais próximo à data do pagamento da
prestação de serviços pelo governo, no exato valor correspondente ao percentual
incidente sobre o valor pago, conforme previamente definido com os
representantes das empresas, que oferecem a propina.
Os líderes da quadrilha
conquistam e compram apoio político, entregando porcentagem a parlamentares e
representantes de partidos, oferecida em troca de apoio eleitoral e
parlamentar. Os gângsteres também atuam para evitar que parlamentares e representantes
de partidos políticos corrompidos por eles façam eficiente fiscalização
legislativa da atuação do governo.
Isso significa o fracasso da
prática democrática, o que termina perigosamente por tornar ilegítima a
estrutura de poder em que ela se assenta. É um processo que deslegitima a
democracia por meio da ação hegemonizante de grande parte da elite política.
Assim, o Poder Executivo
investe-se autoritariamente no governo local, contaminando o coletivo dos
cidadãos com uma visão clientelista, patrimonialista e populista. O clientelismo
e o patrimonialismo são a fonte de tanto desperdício; e não têm a face apenas
das oligarquias políticas, mas também de diversos setores corrompidos e
corruptores da sociedade.
A oligarquia local tem grande
interesse em manter o status quo a
fim de manter-se no poder, e, com o vácuo deixado pelos cidadãos, o poder político
acaba concentrando-se nas mãos de uma elite conservadora. O patrimonialismo e o
clientelismo impõem a necessidade de participar de uma “panelinha” como
condição de sobrevivência política dos agentes públicos.
A velha tradição de
um favor por um voto, com muito pedido de ajuda pessoal na época da eleição, os
churrascos oferecidos, com os candidatos disputando os votos dos moradores
muito mais nos patrocínios do que nas propostas, continuam presentes, principalmente
nas localidades periféricas do Distrito Federal. Nessa situação, o eleitor
desempenha o papel de um cliente que deseja obter as benesses dos
recursos de autoridade política que um outro controla ou influencia.
São os
chamados recursos patrimoniais do Estado sob gestão dos poderes públicos que fundam
sua estrutura de organização e poder com base no maior ou menor controle desses
expedientes e no caráter discricionário com que se tem acesso a eles. A
especificidade do aspecto clientelista da troca política diz respeito aos termos
fundados em acordo ou na expectativa mútua entre o político “manda-chuva” e o “cliente”
em auferir benefícios com a troca.
Isso camufla a corrupção política,
com uma espécie de troca de favores, em que empresas financiam campanhas
eleitorais de determinados candidatos, não porque acreditam na capacidade do
político, mas sim porque, caso ele venha a ser eleito, ela tirará proveito
disso. O voto para esses “clientes” é uma mera mercadoria, um produto de troca.
Ou seja, termina induzindo o eleitor a renunciar a ser agente do processo, a
ser sujeito histórico, para ser sujeitado. Sua voz é calada por um preço pago
pela oligarquia. E não ter voz no cenário político é a maior exclusão social
que pode ser imposta a um cidadão.
O Ministério Público, o Tribunal de
Contas, o Poder Legislativo, o Judiciário e o Executivo, cada um desses poderes
e instituições tem responsabilidade pelo fim do patrimonialismo oligárquico. Não
fosse o quadro nacional eivado de escândalos, a própria estabilidade política,
a representatividade democrática e a autonomia do Distrito Federal poderia ser
comprometida pelas atitudes não-cidadãs que vêm tomando lugar reiteradamente na
Capital Federal. Quando do escândalo da
operação Caixa de Pandora, que resultou, inclusive, na prisão de um
ex-governador do DF, não faltou quem pedisse o fim da autonomia política do
Distrito Federal. Isso abre espaço até mesmo para uma discussão do significado
da democracia, do republicanismo, da Federação e dos pilares constitucionais
sobre os quais foi erguida a autonomia política da Capital.
A defesa da continuidade da
inserção autônoma do Distrito Federal como Unidade federativa é um dos
principais desafios históricos da Capital ante as forças contrárias que, vira e
mexe, se insurgem contra a conquista que a população obteve ao adquirir direito
de representação distrital e federal. Mais ainda, é obrigação do governo
cumprir o disposto no Título II, capítulo II, artigo 10, parágrafo 1º, da Lei
Orgânica do Distrito Federal, que dispõe sobre a descentralização administrativa,
onde se afirma a necessidade de regulamentação legal da participação popular no
processo de escolha do Administrador Regional e do Conselho de Representantes
Comunitários, com funções consultivas e fiscalizadoras a que cada Região
Administrativa fará jus.
Contudo ainda é bastante modesta
a descentralização administrativa, não existe nenhuma lei que disponha sobre a
participação popular no processo de escolha dos Administradores Regionais, as
Administrações Regionais ainda não se vinculam diretamente ao Governador, mas à
Coordenadoria das Cidades – órgão subordinado à Casa Civil – e não existe lei
que normatize o Conselho de Representantes Comunitários, com funções
consultivas e fiscalizadoras. Por isso, para além de manter a autonomia
política do DF, é importante que se lute por uma maior participação popular nos
processos decisórios, capaz de afastar, essa sim, a corrupção como espectro
ameaçador à autonomia e implantar novas práticas e políticas públicas.
(Cruzeiro-DF, 8 de
dezembro de 2013)
ATENÇÃO: O blog Professor Salin Siddartha é atualizado com nova matéria apenas aos domingos!
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