segunda-feira, 16 de junho de 2014

A RESPOSTA DO SISTEMA POLÍTICO ÀS DEMANDAS DA SOCIEDADE CIVIL

Há um drama social e econômico entre as potencialidades políticas e os riscos delas decorrentes, que se situa para além da quantidade de problemas equacionáveis e das poucas soluções a ser aplicadas. Hoje, os governos são incapazes de dominar os conflitos de uma sociedade complexa, predestinando ingovernabilidade, pois existe uma desproporção crescente entre o número de demandas provenientes da sociedade civil e a capacidade de respostas do sistema político. Nesse aspecto, o exercício do poder local, no nível das cidades-satélites do Distrito Federal e dos Municípios brasileiros, é menos sobrecarregado que o dos Estados da Federação e do Executivo nacional.
As coalizões sociais, sindicatos e os demais movimentos populares de reivindicação geram demandas que permanecem como desafios para a ação política. Os espaços públicos independentes das instituições do governo, do sistema partidário e das estruturas do Estado são arenas de negociação, pontos de conexão entre as instituições políticas e as demandas coletivas que interligam as funções de governo e a representação de conflitos e, como tal, devem ser vistos.
A relação da sociedade civil com a esfera pública e com as demandas dos cidadãos vincula um papel ativo na ampliação da participação política, ao canalizá-las em forma de pressão sobre o sistema político. A demanda pode ser pela necessidade de novos direitos ou de garantias por parte do Estado, pode ser fruto de uma ação estatal questionada como injusta ou ilegítima, ou, ainda, resultar dos efeitos das relações econômicas, mas, quando uma demanda é apresentada na esfera pública, deve ser amplamente discutida a fim de que sua relevância seja provada.
Desse modo, a sociedade civil capta os problemas sociais, sintetiza-os e transmite-os à esfera pública política, institucionalizando as demandas. Nesse contexto, evidencia-se um direcionamento das ações dos movimentos sociais para a institucionalização de suas relações com os agentes estatais.
Um Estado democrático, embora não deva interferir na organização da sociedade civil nem do Terceiro Setor, tem de encontrar-se aberto à participação deles, já que há uma crise do sistema representativo, inclusive mundialmente, que redimenciona a demanda pelo espaço público, pela sua inovação. Por isso, além de ser necessário reformar o Estado, é preciso prestar atenção à natureza dessas reformas e explorar a deliberação em instituições de participações específicas, como propostas de pavimentação de ruas, melhora de instituições de ensino, condições de moradia etc., visto que são riscos que o nível de decisão política assume para que o poder local seja bem sucedido.
(Cruzeiro-DF, 15 de junho de 2014)

sábado, 7 de junho de 2014

A RESPOSTA DA SOCIEDADE AOS PROBLEMAS DELA MESMA

As sociedades podem e devem alterar costumes e valores para evitar um colapso, como, por exemplo, impedir que o crescimento da população supere a capacidade de sustentação da cidade. Às vezes, é preciso alterar costumes e valores, não propriamente para assegurar, mas, pelo menos, para melhorar as chances de sobrevivência da sociedade humana em determinado local. Em que medida uma ameaça à sobrevivência da sociedade abre o horizonte para uma alternativa histórica de ação política? A premonição de que a estrutura de nossas dependências materiais e obrigações morais podem romper-se, levando a sociedade a um colapso, apavora.
Há que movimentar-se para buscar respostas aos problemas sociais de forma criativa, pró-ativa e politicamente organizada, acolhendo demandas populares. As percepções e propostas dos diferentes grupos civis, os seus movimentos e suas grandes mobilizações passam a ser decisivos para uma estratégia possível de mobilização da vontade social.
Decisões políticas podem gerar medidas de política pública de restrição e de promoção. As decisões políticas tomadas – ou não – e cumpridas pela sociedade podem interferir no destino de uma comunidade, definindo o seu porvir. Isso envolve a questão da resposta da sociedade aos seus problemas, o que depende de instituições políticas, econômicas e sociais e de seus valores culturais. Tais instituições e valores afetam o modo como as sociedades resolvem (ou tentam resolver) seus problemas.
A sobrevivência de uma determinada comunidade estatui-se, na prática, por um pacto voluntário e tácito entre entes históricos que se capilarizam pelos diversos Municípios da Nação, o que deságua nas opções políticas – ou seja, é possível a uma comunidade organizar suas condições de vida de forma mais humana, permitindo-se criar uma transformação econômica e social com base no poder local, descentralizando e desburocratizando, de maneira participativa, a gestão da cidade e, assim, reforçar o poder local com equilíbrios democráticos em contraposição ao poder das elites.
A vontade coletiva é um elemento democrático para a construção da ordem social e política. Uma vontade social que resulte do esforço ético dos cidadãos para colocar o interesse geral acima do particular pode ser estabelecida a partir de uma pedagogia do desenvolvimento, posta em prática pelo poder local no intuito de elevar o nível de consciência da comunidade em prol de valores que mudem a concepção clientelista e patrimonialista, imposta por séculos de dominação oligárquica. Logo, uma pedagogia do desenvolvimento seria capaz de interferir no consuetudinarismo historicamente construído pela população, o qual a conduzisse a um desastre.
Nessas condições, o poder local tem a possibilidade de despertar a população para a participação política livre da manipulação das oligarquias. Então, a própria comunidade constitui poder político em democracia participativa, sem a ingerência dos agentes nacionais.
A questão de como a sociedade decide o seu destino e se transforma é básica para a concepção da democracia local enfocada na solução das necessidades econômicas e sociais da população. O direito do cidadão de intervir na criação de uma qualidade de vida melhor requer sua participação nos organismos comunitários dos movimentos populares de reivindicação urbana e rural, transcendendo o eixo político-partidário e o eixo sindical.
(Cruzeiro-DF, 6 de junho de 2014)

sexta-feira, 30 de maio de 2014

A SENSATEZ E A INSENSATEZ POLÍTICA

As maiores de todas as forças que afetam a insensatez política são a vaidade pelo poder, a incapacidade de prever um problema, a incapacidade de percebê-lo assim que o problema se manifesta, a incapacidade de tentar resolvê-lo após ter sido identificado e a incapacidade de ser bem-sucedido nas tentativas de solucioná-lo.  Deduz-se, portanto, que, em longo prazo, as próprias oligarquias políticas locais não garantirão os seus interesses (e o de suas famílias) se governarem uma cidade em colapso.
A insensatez política resulta da tentativa de negar evidências durante a condução política dos governos. Perceber a capacidade de governos cometerem erros com consequências nefastas é fundamental para que não deixemos novas armadilhas para as próximas gerações. Caberá aos próximos governantes do Distrito Federal ser a voz da razão para afirmar Brasília como espaço de liberdade responsável pelo seu desenvolvimento econômico e social com base em uma nova cidadania.
A incapacidade de prever um problema é comum em governos que não se dedicam a planejar estrategicamente. Prever com base na relação política, social e administrativa sistêmica possibilita a introdução de mudanças de forma programada, embora nem sempre seja possível prever uma mudança política ou o comportamento da sociedade – portanto a flexibilidade na previsão de variáveis também deve ser planejada. Então, um planejamento estratégico de longo prazo deve trabalhar para gerar opções de direções.
O grau de racionalidade das políticas sociais deve ser adaptável às vocações das localidades e do DF como um todo, bem como precisa estar sintonizado com certos aspectos irracionais do comportamento dos agentes políticos a fim de compensá-los com ajustes de previsão, percepção e resolução, já que nem tudo é sempre racional e a forma como as escolhas são estruturadas se torna importante para a tomada de decisões políticas. A população pode não ser suficientemente capaz de prever suas preferências futuras com a precisão que os modelos econômicos requerem, levando em conta as variáveis de mudança de rumo por escolha da própria sociedade.
Uma coisa é certa: a cegueira da sociedade em relação à aleatoriedade. Por tal motivo, a defasagem entre aquilo que os quadros políticos de um governo sabem e aquilo que pensam que sabem é sempre perigosamente elevada. Dessa forma, aquilo que não se sabe é mais relevante do que aquilo que se sabe.
O governante tem mais responsabilidade pelos resultados dos seus atos do que os outros cidadãos, mas a ética de responsabilidade, que, a princípio, seria prerrogativa do estadista, transfere-se, também, para os cidadãos. Vive-se num sistema de permissibilidades no seio da sociedade para o qual os governantes, as lideranças e todos os entes sociais são impotentes para modificá-lo de imediato ou em sua totalidade. Há de se reconhecer que a vontade social predomina, em prazo longo, sobre a vontade do governante, e a complacência com deslizes que podem comprometer o devir da sociedade é um problema a ser levado bastante a sério como um determinante do desenvolvimento.
Por exemplo: o Plano Real foi uma iniciativa do governo de Itamar Franco que solucionou, na primeira metade da década de 90, o problema da inflação, que vinha desde o início da década de 80, quando a projeção inflacionária já passava dos 5.000% ao ano. Isso ocorreu após várias tentativas desastradas de todos os governos a partir de João Batista de Figueiredo, ainda na ditadura militar. Até hoje, mais de 20 anos depois, após a implantação do Plano, ele não apresentou problemas sensíveis a ponto de ser descartado, mas, ao contrário, tem sido aprimorado, e possibilitou a melhoria do nível de vida da população brasileira. Foi, pois, uma demonstração de capacidade de ser bem sucedido na solução de um problema.
É claro que uma sociedade pode não conseguir antever um problema antes que ele surja por falta de experiência cultural prévia, como no caso das manadas de javalis no Sul do Brasil, que se revelam uma verdadeira praga para a agropecuária da região, como decorrência da introdução aqui daquele exótico animal europeu, mas que extrapolou o âmbito do criatório e gerou manadas agressivas à fauna, com grande poder de impacto destrutivo. Falsas analogias também podem induzir a que um problema não seja previsto.
De fato, muitos problemas são imperceptíveis, principalmente quando os governantes se mantêm a distância das comunidades, sem observar in loco o que está acontecendo. Sendo assim, é de bom alvitre o contato permanente com a comunidade e o funcionamento deveras participativo da população no poder local.
A tendência lenta, embora gradual, com que um problema começa a manifestar-se pode ser assaz imperceptível para que se possa prever o desastre que ele possa causar – como no caso da formação de ilhas de calor nas cidades e diversos problemas ambientais que, devagar, mas constantemente, vão-se espraiando por uma cidade ou região. São normalidades deslizantes ocultas por trás de flutuações confusas que vão deteriorando, aos poucos, a cidade, tornando difícil perceber um futuro que pode ser trágico para a sociedade.
A incapacidade de resolver um problema, mesmo após ter sido previsto e percebido dá-se, em muitas ocasiões, pela atitude egoísta, em benefício próprio das oligarquias, mesmo que por intermédio de um comportamento nocivo à sociedade. É um sintoma imoral motivado pela perspectiva gananciosa de auferir maiores ganhos financeiros e patrimoniais à custa de perdas irreparáveis à cidade.
Note-se o mal que a especulação imobiliária fez em Águas Claras com relação à sustentabilidade do Distrito Federal em questões como caos urbano, atravancamento do sistema de transporte, congestionamentos, falta de mobilidade e acessibilidade, prejuízos ao meio ambiente. Foi um egoísmo desse tipo, no Brasil, que extinguiu da natureza o jacarandá. A falta de comedimento leva a própria população a invadir áreas públicas sob o pretexto de que “o vizinho o fez, então eu também irei fazê-lo!”; o pior é que objetivos eleitoreiros conduzem maus políticos a regularizarem tais invasões, para prejuízo e destruição do bem comum das gerações futuras.
É comum não se tentar resolver problemas já percebidos pelo simples fato de que a manutenção de tais problemas é boa para uma parte das elites poderosas. É preciso que se abandonem valores arraigados na cultura e na história da população quando eles passam a ser incompatíveis com a sobrevivência coletiva. São posturas assim que fazem com que certas sociedades sejam bem sucedidas e sobrevivam felizes pela história adentro, enquanto outras, por efetuarem escolhas erradas, fracassam e deixam de existir.
(Cruzeiro-DF, 29 de maio de 2014)

quarta-feira, 21 de maio de 2014

A MOBILIZAÇÃO DAS VONTADES PARA A ESCOLHA DO DESTINO E VOCAÇÃO HISTÓRICA DE UMA SOCIEDADE


Os interesses e opiniões são dados pré-políticos criados pelas relações de identidade sócio-histórica da cultura de um povo. Quer dizer, são uma questão de vontade social, visto que houve sociedades que até mesmo desapareceram em decorrência de suas opções históricas e outras que evitaram tal destino.
   A vontade social é o motor que plasma a realidade resultante de um “acordo” não registrado em papel, mas que, de forma tácita, organiza a ética das reflexões do imaginário coletivo. A vontade geral não é alheia às vontades individuais, haja vista o bem geral ter elementos constitutivos de cada interesse particular.
Quando a democracia traduz-se na possibilidade de privilegiar a politização dos indivíduos por meio da participação direta no poder em prol da comunidade, ao contrário do que possa parecer, a individualidade é a maior contemplada pelo simples aspecto de que, ao inverso da forma representativa, a expressão participativa inclui mais a singularidade do que a forma organicista centralizada no “representante” coletivo que, em vez de defender os direitos de cada indivíduo contra a ingerência do Estado, arrouba-se como representante geral, muitas vezes em sacrifício do cidadão comum, que se vê esmagado pela “maioria” ou pelo “consenso”.
   Aí repousa a singela diferença rousseauriana entre vontade geral e vontade de todos, assumindo aquela a intersecção dos interesses individuais, enquanto esta se mostra como o somatório de interesses reunidos. A vontade geral transcende a todas as vontades individuais.
O convênio da personalidade pública é um corpo moral e coletivo conformado ao Estado que irradia da vontade social. Isso não significa unanimidade, motivo pelo qual pode ser contrariado, reformado e até transformado, no decorrer da história, pela capacidade desempenhada pelos sujeitos sociais com competência suficiente para arrebatar vontades vitoriosas no contexto de luta social. Isso quer dizer um concerto de posições capaz de modificar a vontade social e salvar o destino de uma população.
Nesse sentido, cabe ao exercício pedagógico do poder local, em prol do desenvolvimento, o papel de mobilizador das vontades para atuar na busca de um propósito comum, oferecendo à comunidade uma oportunidade de escolha do seu destino e vocação histórica. Aliás, quando uma comunidade assume que tem nas mãos o seu destino e descobre que a construção da sociedade depende de sua vontade e escolha, a democracia torna-se real.
Existe em toda sociedade um sistema de base plural mobilizador de vontades individuais e coletivas que um pacto social pode agregar. Esse sistema evolui com a demografia, definindo a qualidade racional do futuro. É a vontade coletiva e inconsciente de poder que se determina como vontade social a partir de circunstâncias ônticas e ontológicas.
A vontade de poder da sociedade constitui-se através da dinâmica de realização do imaginário coletivo local ou, até mesmo, nacional, que “realiza” o “real” pela sucessão cultural criadora de tradições. É uma categoria socialmente organizadora, estruturadora do processo de decisões que acontecem no seio da sociedade em pauta.
A vontade social que emerge da vontade de poder é uma força que funciona como princípio sintético de conformação do “real” para a sociedade. Os diversos arranjos engendrados pela complexidade sistêmica do processo de identidade de uma determinada sociedade com seus imaginários e, ao mesmo tempo, de diferença entre as vertentes de opções históricas que se lhe oferecem deflagram uma hierarquia espelhada pela influência das elites mediante as escolhas que elas fazem.
   Há lugares e épocas em que elites esclarecidas se sobressaem, às vezes, às intuições do povo, e conseguem levá-lo a novas etapas de desenvolvimento, que ele só mais tarde materializa; e há lugares e épocas em que a população impulsiona a sociedade, sem direção definida, mas buscando a renovação. (Ao relembrar as manifestações que ocorreram nos meses de junho e julho de 2013, vê-se que este é, hoje, o caso do Distrito Federal, no contexto do Brasil.) Esse tipo de escolha, cumulativamente, determinará a vontade de poder da sociedade ao longo de sua história.
A intersubjetividade é o ducto que conduz as determinantes da vontade social. É uma superfície fenomênica que se pontua volitivamente na configuração do real para dada sociedade.
Assumir o devir é, assim, influenciar no desenvolvimento da sociedade para que ela venha a ser o que já estabeleceu para si ou venha a ser as mudanças optadas pela modificação da vontade social. Daí a necessidade de sensatez política dos dirigentes conscientes de que suas escolhas serão exemplos determinantes para a formação da vontade de poder da sociedade.
(Cruzeiro-DF, 21 de maio de 2014)


terça-feira, 13 de maio de 2014

A INFLUÊNCIA DA INTERNET SOBRE A PRÁTICA LINGUÍSTICA


A rapidez informacional da sociedade em rede impõe mudanças linguísticas, devido à diminuição da distância entre a sincronia e a diacronia da linguagem, bem como em razão da intensa atividade interativa entre as pessoas. Assim, também a língua portuguesa sofre os reflexos inerentes à influência dos recursos da tecnologia da informação sobre o idioma por intermédio de uma linguagem de síntese, que engloba aspectos da oralidade e da escrita em novos contextos.
Nota-se uma predominância da coloquialidade e da linguagem informal ante a norma culta e a prática linguística formal. Dessa forma, os internautas valem-se das letras para representar fonemas, em vez de grafemas, visando agilizar a escrita na digitação, encurtando palavras e evitando a digitação de sinais diacríticos, como o til. Por exemplo, em 9dades = novidades, emprega-se o algarismo 9 (que se pronuncia /nóvi/, embora se escreva nove) seguido de “dades”, que é o final da palavra; em eh: utiliza-se o “h” como equivalente ao acento agudo.
É que as abreviaturas e o aportuguesamento de estrangeirismo prevalecem na atividade de conexão entre os internautas, atualizando contextos, intertextualidades e hipertextualidades por exigência da mídia do ciberespaço e da virtualidade dos acessos a novos universos de comunicação escrita.
A sociedade informacional está inserida em um campo onde a conexão em rede é uma realidade. O ciberespaço é um grande mecanismo social, no qual se realizam novas práticas comunicativas e novos agenciamentos cognitivos, pois os computadores possibilitaram o encadeamento de diferentes linguagens em um único suporte.
Essas transformações estão criando uma nova cultura e modificando as formas de produção e apropriação dos saberes. Então o discurso ficou mais paradigmático, mais horizontalizado, já que uma sociedade em rede é pouco hierarquizada e as relações sintagmáticas vão perdendo verticalidade. Como reflexo, temos uma prática linguística que atualiza a língua portuguesa de forma mais livre, abreviada pela articulação de um modelo informacional sintético de comunicação e com maior quantidade de neologismos e expressões braquiológicas.
O modo como se materializa a semiologia da comunicação informatizada dá origem a uma nova característica do processo de significação do texto, agregando ao código verbal o não-verbal, mas presente nos diversos registros de “teclagem”, seja pelas notificações rápidas de MSN, seja nas interações pessoais e entre grupos, seja no facebook, no WhatsApp, ou no twitter.
   Pode-se afirmar, portanto, que a comunicação em rede tem organizado novas estruturas relacionais de formulação linguística, que vão adquirindo coerência interna à medida que são cotidianamente “testadas” no sistema de representações significativas proporcionadas pela interação entre os internautas.
(Cruzeiro-DF, 13 de maio de 2014)


domingo, 4 de maio de 2014

AS REGIÕES ADMINISTRATIVAS DO DF PRECISAM DO FUNDO DE AUTONOMIA PROGRESSIVA

O próximo governo do Distrito Federal poderia planejar a destinação de recursos para obras nas Regiões Administrativas, submetendo-os a Conselhos de Representantes Comunitários eleitos pelos moradores de cada cidade da Capital da República. Quando era Governador, Rogério Rosso enviou à Câmara Legislativa um Projeto de Lei Complementar que criava um Fundo de Autonomia Progressiva para as Regiões Administrativas, destinando 100% da cota do Distrito Federal no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) a todas as Administrações Regionais.
Os critérios para divisão dos recursos do Fundo levariam em conta o número de habitantes e o Índice de Desenvolvimento Humano da localidade, de modo que, quanto maior seja a população e menor o IDH da cidade-satélite, mais recursos sejam destinados à Região Administrativa. Essa é uma das propostas incorporadas pelo partido político do ex-Governador (PSD) para um plano de governo do Distrito Federal.
Tal autonomia representaria uma descentralização, visando ao fortalecimento do desenvolvimento de cada região brasiliense, já tão prejudicada por um excesso de centralismo administrativo-financeiro que distribui mal a arrecadação de cada cidade-satélite. Isso significaria reservar o produto de alguns tributos (IPTU, por exemplo) exclusivamente para investimentos nos locais em que forem arrecadados. Assim, as Regiões Administrativas teriam dotação orçamentária complementar para realizar projetos de escolha da própria população local.
O gerenciamento da gestão pública do Distrito Federal precisa ser reestruturado a partir de cada comunidade local, de cada bairro. A começar pela administração financeira, pois a descentralização não ocorre enquanto não se dá no nível do próprio erário.
A transferência de responsabilidades do centro administrativo do DF para os âmbitos regionais de governo possibilitaria uma experiência que vem sendo disseminada em grande parte do mundo, como exigência de uma governança eficiente que aja localmente, porém sem deixar de refletir e gerenciar politicamente em âmbito mais geral. Uma política geral para um processo de descentralização em nível local significa harmonizar as desigualdades regionais, dar maior oportunidade de empoderamento à sociedade civil e estabelecer a homeostase da qualidade de vida de todos, com abordagens diferenciadas na base de cada representação popular, a fim de respeitar as idiossincrasias de cada bairro. Ademais, esse seria um processo que se basearia na troca de experiências e de informações entre a administração pública e a comunidade, fortalecendo os laços de relação democrática entre governo e população.
A descentralização de parte da política financeiro-administrativa do DF permitiria uma utilização mais racional de recursos para o desenvolvimento socioeconômico com foco na melhoria da qualidade de vida dos moradores da Capital. Inclusive, a Lei Orgânica do Distrito Federal prevê a participação popular no processo de escolha de conselhos de representantes comunitários com funções consultivas e fiscalizadoras. É uma questão de regulamentar a Lei.
Há urgência em se avançar mais rapidamente no processo de descentralização da gestão financeira na Capital da República, em comparação com o ritmo observado na experiência centralista adotada até hoje pelo GDF. A macrofísica do poder político moderno assim o exige pela tendência que tem de buscar o equilíbrio social. Essa é uma configuração típica de uma sociedade em rede: buscar estabilidade na mudança, espraiando-se e estabelecendo coerção para se impor de forma democrática, horizontalizada e mais paradigmática.
Infelizmente, o Projeto de Lei Complementar nº 162/2010, que previa a criação do Fundo de Autonomia Progressiva das Regiões Administrativas (FPR), como forma de descentralização financeira, jaz arquivado na Câmara Legislativa do Distrito Federal há quase 4 anos. Se o próximo governador a ser eleito ressuscitá-lo, prestará um grande serviço aos moradores da Capital, principalmente aos que vivem em cidades constantemente sucateadas e desrespeitadas na concretização de obras em prol do seu povo.
Embora muitas localidades do Distrito Federal tenham excelentes índices de desenvolvimento humano, como a cidade-satélite do Cruzeiro, que possui um IDH de 0,992, seguido por Brasília, com 0,991, há lugares do DF que estão muito aquém desse padrão. Então, o Fundo de Autonomia Progressiva para as Regiões Administrativas seria competente para alavancar o IDH das Regiões Administrativas mais injustiçadas por uma perversa distribuição de recursos, nivelando-lhes o grau de investimento com as demais RAs.
(Cruzeiro-DF, 4 de maio de 2014)

segunda-feira, 21 de abril de 2014

AS COTAS RACIAIS COMO MECANISMO DE JUSTIÇA SOCIAL

A sociedade brasileira estruturou-se, desde o início da colonização, sob a égide da extrema desigualdade. Desde as expedições colonizadoras, esta terra tem sido o paraíso dos privilegiados brancos europeus e o túmulo dos que sempre foram os pés e as mãos trabalhadoras a gerar a riqueza desta nação. Essa situação desigual chega até hoje, principalmente tangível no preconceito racial, na discriminação aos negros.
Ao arrepio da Constituição de 1988 e do moderno ordenamento jurídico brasileiro, ainda fica aquém do necessário o tratamento que o Estado confere à questão do combate ao racismo e da valorização dos afrodescendentes no País. Nesse sentido é que a política de reserva de cotas para os negros no acesso à educação superior é um instrumento de democratização compensatória às injustiças sofridas por eles no decorrer da nossa história.
Quando da instauração da economia açucareira, já na primeira metade do século XVI, foram os negros trazidos da África para trabalhar como mão de obra escrava. Com o ignóbil tratamento que lhes foi dado pelos antigos latifundiários, foram reduzidos à situação de instrumentos de produção, em condição idêntica à dos animais, sem amparo de qualquer direito, sequer do direito canônico, e desumanizados por um cruel sistema que trazia, na mesma situação, o curral e a senzala.
Tamanha contradição engendrou uma característica típica dos trópicos daqueles tempos, em que os senhores de escravos não continham seus instintos bestiais na faina a que obrigavam os africanos e seus filhos aqui nascidos a exaurirem as energias em uma jornada sangrenta. Os instintos animalescos daqueles brancos escravocratas iam ainda além: abusavam sexualmente das negras, separavam-nas dos filhos, vendiam-nos e deixavam um rastro de lágrimas, sofrimento e morte na alma de todo um povo, que terminava ficando sem saber quem eram seus avós, pais e irmãos, inclusive filhos, que vinham à luz sem ter gravada a fisionomia ante os seus ascendentes. Negro não tinha família, sobrenome nem dignidade.
Assim se estruturou a sociedade brasileira durante séculos: do quinhentismo ao oitocentismo imperial. A diacronia da dominação escravocrata produziu, em quatro séculos, a desigualdade que apartou os negros dos brancos, no Brasil contemporâneo. Hoje, quando alguém imagina a figura de um banqueiro, executivo de empresa ou cientista, vem-lhe logo à mente uma pessoa branca; quando pensa em uma empregada doméstica, faxineiro ou favelado, o pensamento perfila uma negra ou um negro.
Então, a realidade discriminatória e preconceituosa cristalizou no brasileiro um imaginário para brancos e outro para negros: aqueles, incluídos socialmente; estes, alienados da convivência fraterna entre cidadãos iguais.
O tratamento desigual aflora no contato pessoal de brasileiros possuidores de cores de pele diferentes, exacerbado pela hipocrisia latente de quem declara ser esta uma nação em que existe democracia racial. Os clichês frasais caricaturam “o negro de alma branca”, “ele é negro, mas é honesto”, “ela é negra, mas é cheirosinha” e tantos outros chavões que enrustem sordidez e impiedade.
A sociedade brasileira tem muito que acertar com a afrodescendência deste país. Deve-lhe tudo. Foi contumaz na desumanidade com que inferiorizou o negro na senzala. Foi castradora de seus homens, estupradora de suas mulheres, genocida de nações africanas inteiras que para cá foram raptadas.
O Estado impediu o negro de ter acesso à educação mais elementar, entregou-o à “justiça” privada dos fazendeiros, que fizeram da chibata o apenamento banal. Negou-lhes nacionalidade, religião, liberdade e salário.
Após a “libertação dos escravos”, abandonaram-nos à sorte, não lhes deram trabalho, moradia nem instrução, e os “donos do poder” os expulsaram do campo, fazendo-os engrossar as levas de êxodo rural, e geraram as primeiras favelas. Enquanto isso, substituíam o trabalho negro pelo de imigrantes italianos, portugueses, alemães, todos pagos com salário mensal, mas, aos negros, puseram ao relento, sem trabalho e sem salário.
Atualmente, a sociedade branca costuma reclamar quando a lei a obriga a compensar tantos cerceamentos ao negro com um sistema de cotas que lhes garanta acesso ao ensino superior ou a vagas nos concursos públicos. Mas com que empertigamento se arroga a tal?
Esquecem o sangue que os negros verteram pelo Brasil na Guerra do Paraguai e na 2ª Guerra Mundial, a finíssima culinária, o ritmo do samba, do chorinho, da capoeira, o candomblé, as esculturas barrocas mineiras e baianas, o complexo sistema de lendas, a contribuição linguística que, aos poucos, foi impondo à norma culta sua predominância irrefutável. É preciso que haja redução da desigualdade na oportunidade de acesso aos direitos de cidadania.
Portanto as ações afirmativas para a seleção de candidatos negros ao ensino superior, às vagas nos concursos públicos e a ampliação dessas políticas compensatórias de tantas ignomínias históricas são instrumentos de combate à desigualdade social em nossa pátria e, ao mesmo tempo, elementos de reflexão de todos os brasileiros sobre a discriminação racial.
(CRUZEIRO-DF, 21 de abril de 2014)
                                                                                                                             

domingo, 6 de abril de 2014

EM DEFESA DA DEMOCRACIA: DITADURA NUNCA MAIS!



A semana passada marcou os 50 anos do Golpe Militar de 1º de abril de 1964, que instaurou a Ditadura no Brasil. Com aquele insano desrespeito à ordem constitucional estabelecida, as promessas de manutenção da democracia e de realização das eleições presidenciais de 1965 não foram cumpridas, e se estabeleceu no Brasil, por 21 anos, a Ditadura Militar, que causou perseguições políticas, torturas, abusos de poder e assassinatos.
Ao arrepio das mais lídimas consolidações jurídicas e institucionais aperfeiçoadas na diacronia da humanidade, sem que tivessem sido legitimados nas urnas por um voto sequer, portanto sem o objetivo apoio popular, generais entreguistas assumiram-se como os donos do poder, fecharam o Congresso Nacional, manietaram o Poder Judiciário, a partir do próprio Supremo Tribunal Federal, aposentaram, prenderam e cassaram juízes, diplomatas, parlamentares e transformaram o País em um exemplário de ridículos tiranos latino-americanos.
Os ditadores retiraram as prerrogativas de independência dos Poderes Judiciário e Legislativo e os submeteram a um Poder Executivo ilegítimo e ilegal, sob o tacão dos fatídicos Atos Institucionais, dentre eles o AI-5, o maior castrador dos princípios do Direito. Ora, ou os Poderes Legislativo e Judiciário têm a prerrogativa total de independência entre si e para com o Poder Executivo, ou não mais se caracterizam, de fato, como Poderes republicanos.
O Brasil faz jus à atuação política com o senso da retidão, ao orgulho da independência e à fidelidade ao ideário ligado às raízes da sua formação cristã e do Estado de direito. Assim, em face daquele atentado imoral, incivilizado, extirpador dos mínimos direitos de cidadania e de convivência harmônica dos brasileiros, o que tem em nós de civilização não pode abrir mão dos escrúpulos de consciência e deve, portanto, colocar, na ordem do dia, a defesa da democracia como um somatório da cultura nacional consolidada nas leis.
As ditaduras são a acefalia dos bestiais instintos pré-históricos, sem ordem, que age pelo temor imposto pela individualidade do tacape do ditador de plantão. Em nome da razão, fazendo jus à bela pátria onde nascemos e que acolhe nossos descendentes, zelando pelos princípios da República e do federalismo, toda atuação política deve dedicar-se ao ideal de sustentar a democracia.
Felizmente, o aço puro das melhores consciências políticas se perfilou no combate à Ditadura e não fraquejou ante a injustiça, a ingratidão e os reveses. Nunca se acovardou ante o perigo. E enfrentou cassações e prisões para defender a ordem jurídica legítima deste país.
A História do Brasil é pontilhada por próceres que se transformaram em verdadeiros ícones da democracia, emoldurados pelos embates, glórias e atos dignos de gigantes. São muitos os heróis anônimos ou notórios que nunca deixaram de ter uma atitude clara, desassombrada e definitiva em todos os episódios que caracterizaram o perigo de acabar com a democracia em nosso País.
Os que conseguiram sobreviver à tortura, à perseguição e a todas as formas de arbítrio impostas naquele tenebroso período ficaram para nós como exemplos contemporâneos edificantes das novas gerações. Lembrar a memória de todos os que tombaram na luta contra a Ditadura é inflar o peito de confiança no ser humano, mesmo quando a chama da fé, às vezes, ameaça esvair-se no adentrar das trevas da descrença.
Lamentavelmente, uma ínfima quantidade de indivíduos, à qual se têm aliado cerca de 3 ou 4 oficiais-generais aposentados e uma meia-dúzia de praças de pijama, vem manifestando certo saudosismo dos tempos da Ditadura e desprezo pela democracia. O Estado democrático de direito é tão acolhedor que lhes dá essa oportunidade de protestar livremente. Ainda bem que a liberdade de expressão, hoje em dia, está preservada no Brasil, porque, se fosse no tempo da Ditadura, estariam todos, no mínimo, presos, torturados.
É interessante frisar que, durante aquele período de arbítrio, a corrupção existente era proibida de ser noticiada, para que a população não ficasse sabendo, sob pena de prisão dos responsáveis pela divulgação e fechamento do órgão de imprensa noticiador, com base no AI-5 e na Lei de Segurança Nacional. Tais viúvas da Ditadura são tão “inocentes” úteis que não veem que, se o poder relativo corrompe relativamente, o poder absoluto corrompe absolutamente.
Winston Churchill, certa feita, afirmou que a democracia tem muitos defeitos, só que ainda não inventaram um regime melhor que o democrático. Com certeza, nossa democracia precisa aperfeiçoar-se mais. Será no debate livre que a democracia se afirmará e se aprimorará em nosso rincão. O povo brasileiro saberá ter a serenidade suficiente para acertar os passos no rumo da consolidação democrática. Nesta terra natal, nunca se deixou de ter uma atitude clara, desassombrada e definitiva em todos os episódios que caracterizaram o perigo de acabar com a democracia.
 O Brasil vai, obrigatoriamente, melhorar? O Congresso, compulsivamente, ficará mais ético? A resposta é não, já que a ética se estabelece no espírito e não nos textos de lei, ela é conduzida por um sentimento, é a sensação de que algo está errado.
A ética da legalidade requer que cada um fique no espaço que lhe compete, de compasso e esquadro na mão, para medir e pesar, como guardião, a sustentação que ambas as colunas republicanas (o Legislativo e o Judiciário) são capazes de produzir no vértice da prática democrática, mediante o sistema de freios e contrapesos. O equilíbrio nas atitudes políticas é o fiel balanceador que ajusta os afãs e arroubos das conjunturas à realidade nacional, tornando possível o desenvolvimento e consolidação das instituições.
Consertar a Nação é tarefa difícil de superação cultural dos vícios atávicos que advêm desde o início de nossa colonização; contudo, é o serviço em prol da resolução dos problemas com que nos defrontamos que valoriza e dá sentido à própria razão de ser do político. O filósofo Sêneca, na Antiguidade Clássica romana, dizia: “Não é porque as coisas são difíceis que nós não ousamos. É porque não ousamos que as coisas são difíceis.”
Então, os desafios existem para ser superados, mas de maneira democrática, coletiva, sem individualismo ou voluntarismo, já que isso não condiz com o trabalho fraterno. É preciso paciência histórica, sem permitir o afloramento de aventuras totalitaristas, para que se mantenha o Estado de Direito em nossa Pátria, deixando para trás os que, ditatorialmente, pensam ser a democracia substituível pela espada.
(Cruzeiro-DF, 6 de abril de 2014)


domingo, 30 de março de 2014

A “GOVERNABILIDADE” DA FALCATRUA



Os gregos, na Antiguidade Clássica, já diziam que o sustentáculo fundamental da democracia e da cidadania é a res publica. O que se destina à Nação, em toda a sua abrangência, tem que ser valorizado pelo seu caráter público, principalmente pela classe política do País. É da essência republicana o sentimento cidadão do respeito aos poderes constituídos, a confiança no equilíbrio existente na divisão tripartite entre quem legisla, quem executa e quem julga.
Na contramão do que deveria ser republicano, há uma máfia articulada com setores governamentais e com grandes corporações, visando parasitar as contas públicas. O que existe, atualmente, é a “governabilidade” da falcatrua (uma espécie de conspiração entre criminosos associados para achacar os cofres públicos). Utilizam-se os aparelhos do Estado para garantir a mafiosos seus próprios “negócios” com o dinheiro público e perverter a democracia, alojando, nas instituições, os membros dos “esquemas”.
A corrupção passou a ser condição da governabilidade. A “governabilidade” baseada nesses métodos serve a interesses antidemocráticos e antipopulares – exemplo disso é o descaso com a ordem urbanística, a saúde, a segurança pública, a educação, o transporte e, até mesmo, com o lazer da população, no DF. Mas esse não é um problema apenas local.
A crise moral que afeta o governo liga-se aos problemas que aparecem em outros Estados e é mais um exemplo da situação geral das instituições no País. São essas as instituições que sustentam a destinação de grande parte do orçamento para a especulação financeira em prejuízo das reais necessidades da população e preservam o sistema eleitoral e institucional que se retroalimenta do poder econômico.
As práticas escusas passaram a ser pilares das próprias instituições. E a máfia instalada nas instituições públicas do DF continua ativa. Ela garante seus próprios “negócios” com o uso de dinheiro público. Parte desse dinheiro é utilizada para o “financiamento de campanhas”, milionárias, que pervertem a democracia alojando nas instituições, com poucas exceções, os membros dos “esquemas”. É assim que a coisa funciona – e não é apenas no Distrito Federal, mas em todo o País.
Há uma equação maléfica entre Estado, corrupção e fonte de lucros para investidores; porém de nada adianta derrubar os corruptos de hoje se as portas ficarem abertas para a corrupção de amanhã. É preciso varrer os corruptos, mas também a sua política e as instituições que os acobertam e que alimentam seus crimes.
Há Política e política. Política com P maiúsculo e política com p minúsculo. No momento em que se aproxima o período de renovação eleitoral na Capital da República, é necessário refletir que estamos em uma etapa histórica em que o Distrito Federal precisa, como nunca, de estadistas. A cidade carece de lideranças que tenham uma serena obstinação e que sejam servidas por uma firme coragem moral. E que venham a ajudar para que nossos ideais de justiça e governabilidade não se esmaeçam no processo da construção das táticas e estratégias. Mas, acima de tudo, o DF precisa de líderes que saibam que a política não é um projeto individual ou de um pequeno grupo, e sim um projeto coletivo com dimensão de Estado.
(Cruzeiro-DF, 30 de março de 2014)


domingo, 23 de março de 2014

É NECESSÁRIA UMA NOVA POSTURA NA SEGURANÇA PÚBLICA

 
O Estado brasileiro passa por uma crise de legitimidade em sua política criminal. Falta um controle eficaz e preventivo da segurança pública, notadamente nos grandes centros urbanos. Seria vantajoso para o Estado optar por políticas criminais preventivas, em contraposição à falência das políticas assentadas na repressão penal.
A criminalidade deve ser analisada no contexto da realidade social em que está inserida – não como um problema somente da polícia, mas também como um problema político e, portanto, de toda a sociedade. Até mesmo porque não se pode desculpar o Estado e a sociedade por não promoverem as políticas públicas necessárias para impedir que se forme uma camada social marginalizada que encontra no crime a única possibilidade de ascensão social.
A implementação de políticas públicas pressupõe um conjunto de ações governamentais que não devem limitar-se à atuação das instituições policiais, já que o crescimento da violência e da insegurança tem um impacto direto no projeto de consolidação da democracia. É preciso buscar e criar modelos de policiamento que se amoldem à vida democrática, apesar de, no Brasil, estar ocorrendo um recrudescimento e um retrocesso em termos penais, pois inúmeras leis mais repressivas e vedadoras de garantias do indivíduo têm sido postas à aplicação (inclusive a fascista e ultrapassada Lei de Segurança Nacional).
É necessário adotar uma nova postura na segurança pública, alicerçada nos valores democráticos de policiamento e consubstanciada no modelo gerencial de administração pública, em contraposição à violação e ao desrespeito aos direitos humanos, uma vez que é no exercício policial que eles, geralmente, ocorrem.
Infelizmente, quando se cogita conter a criminalidade, ressaltam-se propostas exclusivamente repressivas. É que, equivocadamente, muitos creem que seja preciso aumentar o rigor das leis penais e dotar a polícia da capacidade de deter a criminalidade com violência excessiva, negligenciando os direitos fundamentais do Estado democrático, fechando os olhos à violência, à corrupção e aos abusos cometidos por maus policiais. (Não é de mais leis que o Brasil precisa. Leis nós temos de sobra. Urge é aplicá-las, de fato.)
Há desrespeito aos direitos humanos cometido por maus policiais. Então, os policiais devem ser mais bem preparados para interagir com o cidadão, antever as necessidades e solucionar os conflitos em conjunto com a comunidade, baseando-se na convicção de que o policiamento será mais efetivo se tiver o apoio e o envolvimento da comunidade.
Constantes violações aos direitos dos cidadãos perpetradas pelo Estado, especialmente pela polícia, são cometidas em nome do “controle” da criminalidade, ensejando um distanciamento entre o sistema de segurança pública e a comunidade. Em nome do controle da criminalidade, especialmente na doutrina de combate ao crime, pautada na repressão, defendida e implantada por diversos gestores da segurança pública, a polícia acaba por atacar, constantemente, os direitos humanos, por meio do emprego de demasiada violência, ensejando a perda da legitimidade perante a população e a sociedade como um todo.
Rio de Janeiro e São Paulo espelham bem esse contexto, dada a frequência dos eventos de violência contra as pessoas que têm provocado denúncias por violação de direitos humanos, em muitos casos cometidos pelos próprios agentes de segurança. A tradicional doutrina de polícia centrada na repressão, no controle penal da criminalidade e no distanciamento do policial com a comunidade contrapõe-se ao Estado democrático, que enfatiza uma polícia de proximidade, componente de um sistema que engloba um conjunto de órgãos e políticas públicas em parceria com a comunidade, com atuação interdisciplinar e multifocal.
Existe uma cultura de confronto que está arraigada, especialmente, na Polícia Militar. E a opinião pública tem cobrado mudanças na conduta policial. Deter e prender uma pessoa inocente sob falsas acusações, agredir, atirar imotivadamente e assassinar, desrespeitando os direitos civis do indivíduo e as etapas de uma investigação ou de um processo judicial, agravam os casos de  violência praticada por policiais.
Cabe ao Estado encontrar o ponto de equilíbrio entre a responsabilidade de garantir a liberdade dos cidadãos e, simultaneamente, a sua segurança, sem, contudo, triscar o exercício dos demais direitos fundamentais. É estratégico aprofundar as relações da polícia com a comunidade, pois a comunidade conhece a maioria de seus problemas, e seu esforço, em parceria com a polícia, pode produzir resultados significativos na redução e prevenção da violência.
(Cruzeiro-DF, 23 de março de 2014)

domingo, 16 de março de 2014


AS RAZÕES, OS PODERES E O MARCO CIVIL DA INTERNET
 

Razão e Poder são indissociáveis, encontram-se entrelaçados e validam-se intrinsecamente. Marx acreditava que a sociedade industrial havia criado as condições prévias para a realização da Razão, e que apenas a organização capitalista dessa sociedade impedia a realização das mesmas. Ele errou feio, pois o que se viu foi o contrário: o desenvolvimento da produtividade freou o desenvolvimento da consciência revolucionária, e o progresso tecnológico mudou a balança do Poder social (a barricada perdeu seu valor revolucionário da mesma forma que a greve também perdeu seu conteúdo revolucionário).
Já para Hegel, a Razão é uma força que realiza a própria história total da humanidade e guia a vida, produzindo a experiência. Ela ajusta, padroniza e realiza a própria realidade, estabelecendo-se por intermédio de um esquema social que contradiz a ordem dada na busca pela liberdade (seu horizonte pressuposto).
O Estado é instrumento de Poder, e a concentração crescente do Poder tende a anular o indivíduo e sua principal necessidade política: a liberdade. Atualmente, o aumento do Poder social é possibilitado pela absorção de um conjunto cada vez maior de meios e técnicas inovadoras que, por sua vez, pela própria dispersão de seu emprego, em uma sociedade que, cada vez mais, se organiza em rede, disponibilizam o acesso ao próprio Poder. Então, como reação, os tradicionais Poderes estabelecidos utilizam-se dos meios permitidos pelo progresso técnico para tentar reforçar a submissão das pessoas, como foi o caso da tentativa de implantar, na Europa, o castrador Acordo Comercial Anticontrafação (ACTA).
O ACTA é um modelo repressivo que, sob o pretexto de combater a pirataria, propôs restringir a liberdade na Internet e acabou sendo rejeitado pela União Europeia. Apesar da derrota, os grupos monopolistas internacionais continuam a insistir e, visando proteger seus interesses econômicos, introduzem práticas prejudiciais ao uso popular da rede mundial, buscando, assim, fazer com que a web perca as suas potencialidades e passe a ser um meio midiático centralizado e controlado pelas grandes corporações, com restrição de conteúdos, mais censura e serviços mais caros, em prejuízo da liberdade de expressão do resto da sociedade. É o que acontece, atualmente, com o lobby das grandes empresas de telefonia e de comunicação que se contrapõem ao Projeto de Lei 2.126/2011, em tramitação na Câmara dos Deputados.
 O estabelecimento do marco civil da Internet esbarra nos tradicionais donos do poder real da sociedade, que querem rejeitar o referido Projeto de Lei ou descaracterizá-lo para, assim, restabelecer controle social por intermédio de outros parâmetros, nos moldes do ACTA, querendo impedir que a web continue respeitando certa neutralidade, contrapondo-se à nova Razão que surge de um mundo progressivamente menos afeto à sociedade industrial e mais próximo da sociedade informacional.
Todavia, um empoderamento democrático, à luz de uma nova cidadania, com mais democracia direta em moldes locais, em que os entes sociais sejam tratados pelo Poder público sem o patrimonialismo que continua a privatizá-lo, criaria uma vinculação ética capaz de afastar o interesse privado no exercício do Poder. Essa é a política que, a partir do Poder local, enseja que o Estado possibilite às pessoas instituições e distribuição de Poder entre as forças sociais. Só assim a coletividade ganha solidez e durabilidade histórica, a partir do fato de que as instituições controlem o Poder e consolidem a ordem por intermédio de leis mais modernas, adaptadas às novas exigências sociais, situadas acima de interesses particulares.
Se tal objetivo for atingido, a continuidade histórica progressiva poderá, no futuro, mesmo que muito distante, trabalhar a realidade, modificando-a e ajustando-a à Razão, racionalizando-a, num aspecto correspondente à potencialidade real dos seres humanos.
(Cruzeiro-DF, 16 de março de 2014)

domingo, 9 de março de 2014

O PAÍS DO FUTURO?!


(A PASÁRGADA ECONÔMICA DE AFONSO CELSO E STEFAN ZWEIG)

Eu tenho pera, uva e maçã / Eu tenho Guanabara / E modelos revell / O Brasil é o país do futuro / O Brasil é o país do futuro / O Brasil é o país do futuro (...) – “Duas Tribos”; Legião Urbana.

O Conde Afonso Celso, filho do Visconde de Ouro Preto e trisavô de Dinho Ouro Preto, vocalista da banda de rock Capital Inicial, ao comemorar os 400 anos do descobrimento do Brasil escreveu o primeiro best seller nacional: “Porque me ufano do meu país”, que foi leitura obrigatória nas escolas por 50 anos. Dele, extraem-se pérolas de bobagens como:
“Negros, brancos, peles-vermelhas, mestiços, vivem aqui em abundância e paz. Entre nós há ausência de preconceitos de raça, decaindo mesmo em promiscuidade.”
“Notabiliza-se a floresta brasileira pela ausência de animais ferozes."
“Ninguém, querendo trabalhar, morrerá de fome. Parece país de milionários, tão largamente se gasta.”
“Quase todos os políticos brasileiros legam à miséria as suas famílias. Nenhum deles se locupletou à custa do benefício público.”

Esse livro foi o início do ditado popular “Deus é brasileiro”.
Afonso Celso morreu em Petrópolis-RJ.

Stefan Zweig foi um famosíssimo escritor austríaco, naturalizado britânico, radicado no Brasil em 1941. Apaixonou-se pela nossa pátria e escreveu a obra “Brasil, o país do futuro” (Brasilien ein land der zukunft), cujo título deu origem ao conhecido clichê ufanista.
Suicidou-se, em Petrópolis-RJ.

De nada adianta dizer que “este País é muito rico, este País tem muito futuro” com a economia estagnando ou apresentando crescimento pífio.
O estímulo ao consumo e ao gasto com políticas compensatórias não tem sido acompanhado pelo fortalecimento da poupança nem pelo necessário desenvolvimento produtivo da Nação. Aumentar a poupança contribuiria para que o País reduzisse a dependência de recursos externos e financiasse os investimentos em infraestrutura e produção industrial. Ou seja, a solidez do crescimento escora-se em um sistema de poupança.
Por outro lado, existe uma descrença da iniciativa privada no desempenho econômico do governo, a qual se reflete na queda do índice de investimento do empresariado na atividade produtiva. Agregue-se esse fator a uma desaceleração da economia global, e temos os ingredientes para a perda do ritmo de nossa economia. (E tudo indica que teremos mais um ano de baixo crescimento, com pressão inflacionária, traduzindo-se em maior desconfiança da iniciativa privada.)
Destaque-se que a infraestrutura e o nível produtivo da Nação ainda não são compatíveis com o tamanho do nosso mercado consumidor.Precisamos construir mais estradas, ferrovias, portos e fontes de energia para sustentar nosso desenvolvimento.
O Brasil não apresentará perspectivas de razoável crescimento econômico sem aumentar seu parque industrial, investir em infraestrutura e produzir tecnologia de ponta voltada para a indústria exportadora. Isso requer, prioritariamente, um sistema educacional de excelência.
Definitivamente, precisamos de um modelo de crescimento que priorize a educação. Há que se investir em mais escolas, na formação de professores e em uma política educacional integrada entre a Federação e os governos municipais e estaduais – de preferência, federalizada.
Estamos na contramão de uma educação de base de qualidade, que seria necessária para que houvesse inovação substancial para a formação de cérebros do País. Contudo há uma crise no ensino médio, com perda de alunos, destacadamente de jovens na faixa etária entre 15 e 17 anos, segundo revela o Censo da Educação Básica, divulgado pelo Ministério da Educação.
Faria sentido impulsionar a formação, aperfeiçoamento e valorização dos profissionais de educação – professores, gestores e técnicos educacionais –, porque uma boa educação requer professores bem pagos e ensino em tempo integral.
Embora cientes de nossa deficiência educacional, falta-nos uma política, com metas bem definidas, que ponha em primeiro plano os valores acadêmicos de competência, mérito e dedicação; porém optamos por inflar a quantidade de cidadãos com diplomas de nível superior de qualidade duvidosa, reveladores de um baixíssimo índice de aprendizagem. Então, necessitamos melhorar a preparação dos brasileiros para que saltemos à frente no processo produtivo e tecnológico.
Devemo-nos preocupar com a capacidade do Estado e do empresariado de criar riquezas a partir da inteligência nacional, agregando valor aos produtos e serviços brasileiros com base em inovação e novas tecnologias. Isso não se consegue da noite para o dia, mas, como dizem os chineses, a caminhada da estrada de mil léguas começa na primeira passada.
Portanto, iniciemo-la já. Caso contrário, continuaremos, no próximo século, a repetir o chavão: “este País é muito rico, este País tem muito futuro”.... (com direito a livros de futurologia e bandas de rock and roll herdeiras de uma esperança morta, Zé!)

(Cruzeiro-DF, 9 de março de 2014)