AS RAZÕES, OS PODERES E O MARCO CIVIL DA
INTERNET
Razão e Poder são indissociáveis,
encontram-se entrelaçados e validam-se intrinsecamente. Marx acreditava que a
sociedade industrial havia criado as condições prévias para a realização da
Razão, e que apenas a organização capitalista dessa sociedade impedia a
realização das mesmas. Ele errou feio, pois o que se viu foi o contrário: o
desenvolvimento da produtividade freou o desenvolvimento da consciência
revolucionária, e o progresso tecnológico mudou a balança do Poder social (a
barricada perdeu seu valor revolucionário da mesma forma que a greve também
perdeu seu conteúdo revolucionário).
Já para Hegel, a Razão é uma força que
realiza a própria história total da humanidade e guia a vida, produzindo a experiência.
Ela ajusta, padroniza e realiza a própria realidade, estabelecendo-se por
intermédio de um esquema social que contradiz a ordem dada na busca pela
liberdade (seu horizonte pressuposto).
O Estado é instrumento de Poder, e a
concentração crescente do Poder tende a anular o indivíduo e sua principal
necessidade política: a liberdade. Atualmente, o aumento do Poder social é
possibilitado pela absorção de um conjunto cada vez maior de meios e técnicas
inovadoras que, por sua vez, pela própria dispersão de seu emprego, em uma
sociedade que, cada vez mais, se organiza em rede, disponibilizam o acesso ao
próprio Poder. Então, como reação, os tradicionais Poderes estabelecidos
utilizam-se dos meios permitidos pelo progresso técnico para tentar reforçar a
submissão das pessoas, como foi o caso da tentativa de implantar, na Europa, o
castrador Acordo Comercial Anticontrafação (ACTA).
O ACTA é um modelo repressivo que, sob o
pretexto de combater a pirataria, propôs restringir a liberdade na Internet e acabou
sendo rejeitado pela União Europeia. Apesar da derrota, os grupos monopolistas
internacionais continuam a insistir e, visando proteger seus interesses
econômicos, introduzem práticas prejudiciais ao uso popular da rede mundial,
buscando, assim, fazer com que a web
perca as suas potencialidades e passe a ser um meio midiático centralizado e
controlado pelas grandes corporações, com restrição de conteúdos, mais censura
e serviços mais caros, em prejuízo da liberdade de expressão do resto da
sociedade. É o que acontece, atualmente, com o lobby das grandes empresas de telefonia e de comunicação que se contrapõem ao
Projeto de Lei 2.126/2011, em tramitação na Câmara dos Deputados.
O
estabelecimento do marco civil da Internet esbarra nos tradicionais donos do
poder real da sociedade, que querem rejeitar o referido Projeto de Lei ou
descaracterizá-lo para, assim, restabelecer controle social por intermédio de
outros parâmetros, nos moldes do ACTA, querendo impedir que a web continue respeitando certa
neutralidade, contrapondo-se à nova Razão que surge de um mundo
progressivamente menos afeto à sociedade industrial e mais próximo da sociedade
informacional.
Todavia, um empoderamento democrático, à luz
de uma nova cidadania, com mais democracia direta em moldes locais, em que os
entes sociais sejam tratados pelo Poder público sem o patrimonialismo que
continua a privatizá-lo, criaria uma vinculação ética capaz de afastar o
interesse privado no exercício do Poder. Essa é a política que, a partir do
Poder local, enseja que o Estado possibilite às pessoas instituições e
distribuição de Poder entre as forças sociais. Só assim a coletividade ganha
solidez e durabilidade histórica, a partir do fato de que as instituições
controlem o Poder e consolidem a ordem por intermédio de leis mais modernas,
adaptadas às novas exigências sociais, situadas acima de interesses
particulares.
Se tal objetivo for atingido, a continuidade
histórica progressiva poderá, no futuro, mesmo que muito distante, trabalhar a
realidade, modificando-a e ajustando-a à Razão, racionalizando-a, num aspecto
correspondente à potencialidade real dos seres humanos.
(Cruzeiro-DF, 16 de março de 2014)