sábado, 4 de janeiro de 2014

COMO ARTICULAR O PROCESSO PRODUTIVO URBANO-RURAL NO DF

Devido à expansão desordenada e ao surgimento dos condomínios habitacionais, fica difícil a delimitação do urbano e do rural no Distrito Federal, haja vista as características quase sempre urbanas dos condomínios em localização rural. Assim, o reconhecimento do rural, no DF, deve basear-se em sua relação com a cidade, ou seja, o urbano e o rural misturam-se. A modernização da sociedade intensificou as relações estabelecidas entre eles – nesse sentido, são espacialidades complementares e mescladas, delineando a continuidade entre o urbano e o rural em um continuum entre os dois polos.
Segundo o IBGE, 151 mil pessoas constituem a população rural do Distrito Federal. A agropecuária tem um papel relevante na economia da região do Entorno do DF: as maiores áreas são ocupadas com cultura de grãos e pastagem artificial, ficando a fruticultura e a horticultura com áreas menores. Na pecuária, predomina a criação de bovinos, seguida por suínos e equinos, extensiva a toda região. A agricultura varia desde a de subsistência até a de grandes culturas de cereais, principalmente soja, milho e feijão como também grande produção de tomate. As grandes culturas comerciais são beneficiadas por irrigação de pivô central, com a lavoura expandida em áreas anteriormente ocupadas pelo cerrado, em cujos solos são usados corretivos e fertilizantes para compensar as deficiências naturais. Porém a dinâmica do rural vai além da agricultura, está no modo de pensar, agir e construir o espaço geográfico, em um processo complexo que permuta cidade e campo, revela o rural nas áreas urbanas e reproduz o urbano em meio ao campo. Logo, o espaço agrário do Distrito Federal não pode ser imaginado com destinação exclusiva às atividades rurais, com função produtiva voltada para alimentos e matérias-primas, mas também por meio dos aspectos plurais da intensa relação cidade-campo.
A intersecção urbano-rural é responsável pela diversidade de interesses e atores locais que podem fortalecer o controle social e criar caminhos de sustentabilidade agrária. Novas políticas e práticas no campo, participação comunitária e conhecimento local são um desafio cultural e político na mediação de interesses diversos.
A modernização da sociedade nos espaços locais rurais fundamenta-se na crescente paridade social. Uma nova visão do rural propõe uma nova concepção das atividades produtivas e uma nova percepção da ruralidade como patrimônio a ser usufruído e preservado. Então, a pluriatividade é uma alternativa para fixar a população na zona rural do DF. É por intermédio da pluriatividade que os membros das famílias de agricultores residentes no meio rural podem optar pelo exercício de diferentes práticas, inclusive não-agrícolas. A partir do momento em que um determinado integrante de uma família de produtores rurais vem a exercer uma atividade não-agrícola, mas tendo suas raízes no campo, passa a executar a função de ligação entre o meio rural e o meio urbano.
O avanço da modernização das atividades agropecuárias está associado à integração da unidade produtiva às redes de produção, visando atender segmentos de mercados. Em função disso, ocorre nova divisão de trabalho no interior das unidades familiares, liberando alguns membros das famílias para ocuparem-se em atividades alheias à sua unidade produtiva – nota-se também que, por outro lado, os membros da família têm seu tempo de trabalho reduzido, possibilitando-os combinar a produção agrícola com outra atividade externa, agrícola ou não.
As atividades não-agrícolas no campo expressam a natureza multifuncional do espaço rural de hoje em dia que pode fortalecer o contexto social local e criar caminhos para a sustentabilidade rural; a prática social e econômica do campo é ampliada pela multifuncionalidade do espaço rural contemporâneo, pela participação comunitária e o conhecimento local. Desse modo, é necessário abrir, nos componentes urbanos e rurais, livre trânsito de suas economias e culturas, já que as inter-relações reconfiguram uma nova organização cultural e política.
O crescimento do emprego rural não-agrícola decorreu da modernização associada à expansão de atividades industriais e de serviços, pois, com o tempo, setores industriais começaram a buscar a zona rural para expandir suas instalações. A modernização da agricultura no cerrado, além de modificar as relações no processo produtivo, contribui, também, para o processo de urbanização do campo.
A estrutura produtiva agrícola enfrenta alterações nas relações sociais de produção pela diminuição crescente de postos de trabalho essencialmente agrícolas, além do surgimento de atividades não-agrícolas no espaço rural, as quais, embora em menor número, exigem outro perfil de trabalhadores. Contudo o uso das ocupações não-agrícolas vem sendo atividade de crescente geração de emprego nas áreas campestres, constituindo uma estratégia que garante a reprodução do grupo familiar no campo. A especialização agrícola crescente da agropecuária permite o aparecimento de novos produtos e mercados, como o de animais exóticos, por exemplo.
A pluriatividade tende a generalizar-se tanto em áreas de produção agrícola, onde o avanço tecnológico diminui a demanda de trabalho nas propriedades, como nas demais zonas rurais, onde o próprio Estado estimula o desenvolvimento de outras atividades econômicas, como o turismo e o artesanato. Esse processo pode conduzir à revalorização do espaço rural em razão do crescimento do movimento ambientalista e da descentralização industrial, que tenderão a ampliar o mercado de trabalho e o exercício da pluriatividade pelas famílias camponesas.
Como exemplo, o turismo no espaço rural constitui um importante instrumento de desenvolvimento no DF, assumindo o papel de lógicas urbanas na produção do espaço. O desenvolvimento de estratégias de ação permite melhorar a qualidade de vida das populações locais e do desenvolvimento sustentável. É necessário adequar o turismo ao meio rural, assegurando que as populações locais controlem essa integração. Não é que o turismo represente a solução para os problemas do campo no Distrito Federal, mas trata-se de uma opção empresarial que poderá trazer efeitos positivos, contrabalançando uma eventual desintegração das atividades tradicionais. Essa atividade poderá proporcionar ao meio rural uma alternativa para promoção de divisas.
No Distrito Federal, o recurso a atividades não-agrícolas é uma característica intrínseca à agricultura familiar, como uma estratégia de reprodução social do grupo doméstico frente a situações adversas. É certo que a terra e a atividade agrícola passam a ter novos contornos, e a ocupação agrícola dá lugar a uma diversidade de funções, como chácaras de recreio, pousadas, hotéis-fazendas, guarda-tudo, proporcionados pela relativa proximidade da cidade e valorização do espaço agrário.
Tal fato está ganhando significação no Distrito Federal. Acompanhando a tendência histórica da contemporaneidade, é preciso formular práticas de desenvolvimento rural integrado: políticas agrárias e agrícolas para o fortalecimento da agricultura familiar juntamente com políticas de geração de novas oportunidades de emprego não-agrícolas.
Deve-se direcionar o foco da implementação de políticas agrícolas e agrárias, voltando-as para a mão de obra do pequeno produtor rural familiar. Seu trabalho é uma atividade existencial, necessário para a continuidade da vida, para a produção da vida material como meio possibilitador de satisfação das necessidades básicas. Uma agricultura é sustentável quando proporciona a total subsistência e o rendimento econômico para que o agricultor possa sustentar a si e à sua família, sem precisar comprar, na cidade, produtos de alimentação básica que poderiam ser cultivados em sua propriedade. Por esse motivo, o maior desafio encontra-se na inserção da pequena propriedade rural familiar no processo de agregação de valor em razão da pequena escala de produção e de problemas de gestão. O desenvolvimento local sustentado passa pelo processo agro-industrializante associado à pequena propriedade familiar, como fator gerador de valor adicionado, e pela manutenção da biodiversidade de culturas.
Afinal, o desenvolvimento não se sustenta sem crescimento econômico, e se origina na produção e na geração de emprego e renda.
(Cruzeiro-DF, 5 de janeiro de 2014)

O SISTEMA DE TRANSPORTE DO DF REQUER ALGO EXTRAORDINÁRIO, DIFERENTE

O transporte é fundamental para qualquer indivíduo ter acesso a serviços e benefícios sociais. Mais do que isso, é um direito humano inscrito na Constituição. Portanto, quando um sistema de transporte é inacessível para uma pessoa ou para um segmento social, ele produz um efeito em cascata perverso que inviabiliza o acesso a todos os demais serviços e os sujeita a viver de forma isolada ou subumana.
Uma das missões do Governo do Distrito Federal deveria ser a de promover a eficiência do setor de transportes, visando a impactos positivos na segurança pública, meio ambiente, educação, saúde, energia, movimentação urbana, crescimento econômico. É que o meio urbano, a cada dia, apresenta-se mais ambientalmente insustentável, o aquecimento global fica mais evidente, sendo o modo de deslocamento um potencializador desse agravante.
O transporte coletivo, pelo número de pessoas que conduz, é menos poluente e deve ser priorizado, além dos meios alternativos, como a bicicleta. Por isso, torna-se necessário o estímulo a uma mudança de hábitos da população, que dê preferência aos meios não-motorizados sobre os demais, assim como os serviços de transporte coletivo sobre o individual. É preciso convencer as pessoas de que há outras maneiras de se sentir engrandecido além de ter seu carro próprio e fazê-las compreender que o uso desordenado do automóvel nos deslocamentos individuais já não pode garantir a mobilidade da maioria dos cidadãos.
A ampliação do sistema viário é uma possibilidade que se extinguirá em breve no Distrito Federal (já se necessita, nesta cidade, de 32 km de novas vias por ano). Não há como, do ponto de vista orçamentário, financiar esse volume de obras e também não há espaço físico para fazê-lo. Já o metrô, por ser subterrâneo, não demanda demolições ao longo das vias, como ocorreria no caso do aumento e ampliação das ruas e avenidas.
É importante unificar o sistema de transporte coletivo no DF, com ônibus, metrô, veículo leve sobre pneus ou sobre trilhos e trem operando em conjunto por meio de terminais de integração. As interligações entre os grandes modais (ônibus, metrô, trem e VL) e o transporte alternativo de bicicletas devem ser estimuladas, com ciclovias ligando bairros a grandes terminais de integração. O transporte de massa é eficiente quando combina qualidade, pontualidade e preço. A integração é a palavra-chave. Assim, a transformação desse caos atual em uma matriz de transporte que priorize o coletivo deveria envolver a ação do Governo do Distrito Federal, combinada com a prática cidadã, alicerçada em um programa consistente e persistente de educação e conscientização. A implantação de um sistema sustentável de transporte no Distrito Federal garantiria a qualidade de vida e também refletiria positivamente na área de habitação, pois o alcance da moradia completa passa, obrigatoriamente, por um bom sistema de transporte coletivo, que garanta locomoção com dignidade e acesso ao direito de ir e vir da população.
Os modos não-motorizados constituem uma alternativa válida ao atual modelo de deslocamento. A infraestrutura especial para pedestres e ciclistas ainda é muito reduzida. As ofertas de vias exclusivas para pedestres são de 0,02% do total do sistema viário da Capital da República, e a oferta de ciclovias e de ciclofaixas são de 0,45% do sistema viário urbano brasiliense, bem como a oferta de estacionamentos especiais para bicicletas também é extremamente pequena (deve-se levar em consideração que, hoje, são feitas mais de 50 mil viagens de bicicleta por dia no Distrito Federal).
O governo local poderia fomentar o debate com a população sobre o uso sustentável da bicicleta no DF, com a participação de técnicos, especialistas, usuários de bicicleta e autoridades. Seria mister acrescentar a instalação de bicicletários e criar a cartilha da bicicleta, contendo informações úteis aos ciclistas para garantir sua segurança e a dos outros usuários das vias públicas.
O uso da bicicleta é uma solução que aproveita o terreno plano de grande parte do DF, e que já é adotado como meio de transporte em vários países e em muitas capitais do mundo. Várias cidades europeias demonstram todos os dias que o objetivo da diminuição do uso individual do automóvel não é apenas desejável, mas também plausível. Na capital da Dinamarca, Copenhagem, vivem 1.300.000 pessoas, e um terço delas usa a bicicleta para ir e voltar do trabalho. Podemos expor, ainda, o exemplo de Bogotá, na Colômbia, que criou 180 novos parques e quase 200 km de vias para uso de bicicleta – o que levou os cidadãos a compreenderem a necessidade de a cidade incluir as pessoas, e não os automóveis.
Outro aspecto para o qual o GDF deve voltar a sua atenção é o de que, no Distrito Federal, falta o modal ferroviário convencional no transporte urbano e em médias e longas distâncias, que ofereça rapidez, conforto e baixas tarifas para os usuários, reduzindo a emissão de CO² e ajudando na revitalização de setores populares, que se encontram em estado de degradação. O trem regional é um sistema barato porque, além de ser movido a diesel, aproveita uma faixa de domínio existente, exigindo uma demanda menor de passageiros por hora. O trem regional ligaria o Plano Piloto ao Entorno e a algumas cidades do DF, em distância média de 70 km.
Logo, reativar as linhas férreas que se encontram entre a antiga Rodoferroviária e Luziânia serviria para transportar, no mínimo, 66 mil pessoas por dia, efetuando integração com o metrô, provavelmente no Guará, e seguir até a Rodoferroviária para realizar a integração com linhas de ônibus ou de veículo leve sobre pneus. A instalação seria relativamente barata, porque a linha férrea já existe, embora seja necessário construir as estações e reformar os vagões, que são de propriedade da União e estão parados em depósitos em São Paulo. Com o trem, o tempo da viagem de Valparaíso a Brasília baixaria para 26 minutos.
Em suma, o caos no sistema de transporte no Distrito Federal chegou a um ponto que não dá para empregar uma resposta convencional. Requer algo extraordinário, diferente. Trata-se de um direito da população que precisa ser construído coletivamente, abrindo a discussão aos diversos setores da sociedade para participarem de um debate que apresente idéias e soluções para os complexos problemas do trânsito e do transporte na Capital da República.
(Cruzeiro-DF, 5 de janeiro de 2014)