domingo, 9 de fevereiro de 2014

O MORIBUNDO CONSENSO DE WASHINGTON

Criado na década de 80, o chamado Consenso de Washington traduziu-se como uma recomendação do governo estadunidense de condições para que os organismos financeiros sediados na capital dos EUA concedessem cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral.
Dele resultaram dez cláusulas impostas às nações que solicitavam ajuda financeira ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, como um conjunto de princípios para manter as economias africanas, centro-asiáticas, latino-americanas e dos países do Leste Europeu sem correções de rumo que necessitassem da intervenção do FMI ou de pacotes de ajuda externos. Em suma, centravam-se doutrinariamente na desregulamentação dos mercados, na abertura comercial e financeira dos países e na redução do tamanho e papel do Estado. Assim, o Fundo Monetário Internacional, diversas agências dos EUA e organismos multilaterais incrementaram a monitoração desse pacote de medidas nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.
Suas cláusulas foram aplicadas por mais de duas décadas aos países dependentes de empréstimos externos, mas demonstraram sua fraqueza ao ruírem na crise financeira mundial de 2008/2009, quando a nata do mercado financeiro implorou ao Estado que lhe acudisse, para salvar bancos e banqueiros da falência iminente advinda após o calote dos subprimes. Ali, então, ficou claro que, apesar de o Consenso de Washington propagar como inútil e perniciosa a intervenção do Estado na economia, sem a ajuda do Estado o mercado afundaria. Assim, foram, na prática, “derrogadas” as cláusulas do Consenso de nºs 2 (“fim dos subsídios”), 4 (‘liberalização do mercado financeiro”) e 8 (privatização das empresas que se encontrassem sob o domínio do Estado e ausência de controle do Estado).
Até 1988, os países devedores foram pressionados a realizar um programa de estabilização, liberalizar as economias e pagar a dívida externa em sua totalidade, como exigências a serem cumpridas simultaneamente. Passou-se, então, a enfocar a crise da dívida externa dos países em desenvolvimento com base nos princípios da liberalização, contração fiscal e privatização. A desregulamentação, a flexibilização e a precarização do trabalho terminaram por conduzir, no setor terceirizado e nas pequenas empresas informais ou clandestinas, a implantação de verdadeiros centros de exploração humana em diversos lugares do planeta.
Em vários países da América Latina houve uma regressão estrutural, principalmente no Brasil e na Argentina, que tinham conseguido alcançar uma estrutura industrial relativamente complexa.
No Brasil, a aplicação das cláusulas do Consenso de Washington foi um fator responsável pelos maus resultados econômicos nos anos 1990, quando lhe seguimos o receituário segundo o qual deveríamos desenvolver-nos com apoio na poupança externa, o que travou a liberdade de ação do País para prosseguir em seu processo de industrialização, deixando de lado o crescimento. A taxa de investimentos caiu, nos Governos Collor e Fernando Henrique, a patamares, respectivamente, de 16,7% e 20,7%, levando em conta que, até o final do Governo Sarney, vinha crescendo, tendo atingido a cota de 24,3% em 1988.
Seus efeitos foram desastrosos, tanto em termos sociais quanto em termos econômicos e políticos, para as diversas nações do mundo (não só para os países em desenvolvimento, mas também para os desenvolvidos), pois passados quase 25 anos de sua aplicação, o Consenso de Washington trouxe o legado do aumento da miséria no globo terrestre. É verdade que, segundo o Banco Mundial, os miseráveis dos miseráveis, que dispõem de menos de um dólar por dia, são hoje menos numerosos que no passado: em 1985 eram 1,2 bilhões e hoje são menos de 1 bilhão. Mas, se considerarmos os que dispõem de 2 dólares por dia, eles são hoje em número maior, a saber: são aproximadamente 2,6 bilhões, sendo 100 milhões a mais que em 1985. Ou seja, de cada dez habitantes do planeta, quatro estão em situação de extrema pobreza.
Felizmente, hoje, num novo quadro conjuntural, temos a oportunidade de avançar na construção de uma política de desenvolvimento que não leve em conta as imposições arrogantes e a poderosa retórica dos países hegemônicos. Há muitas décadas que falta ao Brasil uma estratégia a seguir. Nosso desafio será desenhar uma política industrial articulada a um projeto de desenvolvimento para o País – vai depender, em grande parte, da vontade política dos nossos dirigentes.

(Cruzeiro-DF, 9 de fevereiro de 2014)

O PAPEL DO TERCEIRO SETOR COMO INSTITUIÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL

Não se podem considerar como organizações do Terceiro Setor as que vivam do orçamento público. Do mesmo modo que fundações, mesmo com forma jurídica privada, mas mantidas pelo Governo, não podem ser vistas como pertencentes ao Terceiro Setor. Embora sempre haja os espertalhões de plantão, o setor público não deve arcar com qualquer projeto das ONGs – elas devem obter recursos é junto ao setor privado.
A valorização da sociedade civil facilita o encontro da lógica governamental, de caráter político universal, com o setor dinamizado pela inovação e experimentação, capaz de superar problemas sociais. Realmente o Terceiro Setor deve ser considerado em seu aspecto político, mas cujo lugar seja fora do Estado, apesar de caracterizar-se como um agente de reforma do Estado e, de certa maneira, do mercado. O Governo e a sociedade civil organizada devem caminhar juntos como formuladores de políticas públicas para o desenvolvimento social que beneficiem a sociedade, todavia sem comprometer a autonomia das instituições, cada uma com o seu papel.
É verdade que o Terceiro Setor é capaz de mobilizar recursos que podem ajudar a desenvolver novas formas de políticas sociais, cooperando com o setor público de forma sistemática; entretanto esse setor deve ser visto como facilitador do Estado, possibilitando serviços auxiliares para a implementação de políticas públicas. Sob essa ótica, é que as organizações sociais merecem ganhar projeção, pois passam a ser entidades de colaboração administrativa.
As entidades da sociedade civil são fundamentais no processo de reforma do Estado, porém sob o controle de sua eficiência pelo Poder Público, tomando por base o cumprimento das metas estabelecidas pelas organizações sociais nos contratos de gestão elaborados de comum acordo entre elas e o órgão da área correspondente do Governo. A implantação de políticas públicas que tornem o Estado eficiente não exclui a participação da sociedade civil; contudo a eficiência do setor público não-estatal ficará prejudicada, caso não se verifique a participação do cidadão-usuário na fiscalização das entidades do Terceiro Setor que se comprometam com o Estado a executar os serviços não-exclusivos da máquina administrativa do Governo.
(Cruzeiro-DF, 9 de fevereiro de 2014)