Segundo o BIS, Banco de
Compensações Internacionais, o total dos ativos financeiros do mundo inteiro é
da ordem de cerca de US$500 trilhões, dos quais apenas US$180 trilhões são registrados.
Enquanto isso, os derivativos negociados no mercado financeiro internacional orçam
US$280 trilhões, e os que são negociados “fora-de-balcão” representam US$220
trilhões. Ocorre que o PIB mundial chega a US$50 trilhões; assim, a humanidade
convive com uma entropia na liquidez dos ativos em torno de US$450 trilhões.
O disparate entre o tamanho do capital fictício e o do capital
real desequilibra o senso de pragmatismo da operacionalidade da economia, a
partir da busca de liquidez enganosa motivada por alavancagens em cadeia,
baseadas em um princípio fiduciário arriscadíssimo. É
uma complexa interação entre dinheiro, ganância e tecnologia, colocada em
movimento pela incansável aposta em ativos que, inexoravelmente, vão
acumulando-se à procura de rendimentos mais altos na célere movimentação
virtual possibilitada pela globalização da economia. Essa exótica interação
conforma-se como um capital que não nasceu da economia real, mas
sim do enfileiramento sem fim de títulos sobre títulos, de obrigações conexas
em contratos registrados ou não registrados que qualquer tremor pode destruir.
Os especuladores financeiros transformaram o mundo em um cassino. A
simples troca, entre emprestar o que se tem ou o que se arrecada dos outros e
emprestar o que se poderia ter, elevou o crédito a valores extraordinários,
onde o que se empresta chega a ser 10 vezes o valor do que se produz, ou seja,
para se pagarem todos os empréstimos, toda a produção teria que ser destinada
ao seu pagamento por 10 anos.
E todos os grandes investidores sabem que podem sofrer um baque.
Então, é necessário segurar-se, proteger-se contra os contratempos, daí a necessidade
dos derivativos, do empacotamento de empréstimos que são transferidos para
outros investidores com os bancos garantindo que o pacote e cada fatia dele
vendida (resultado da junção de vários créditos concedidos, empacotados, depois
fatiados em diversas porções e vendidos às porções para vários investidores)
serão honrados. Além disso, é feito um seguro contra a possibilidade de haver
uma quebra do contrato, e a seguradora agrega vários seguros (empacota) e os
vende fatiados a novos investidores numa espiral sem fim em que, muitas vezes,
um dólar cria até 500 dólares em “ativos financeiros”.
Os fundamentos do funcionamento financeiro do capitalismo,
escorados na confiança mútua entre quem empresta e quem toma o empréstimo, entre
quem vende e quem compra papéis sem a credibilidade necessária, têm sido
constantemente postos em xeque (haja vista a crise financeira mundial de 2008),
gerando a criação de direitos que podem não ser honrados.
Apesar da alentadora (mas lenta) recuperação da economia mundial,
as tentativas de regulamentação no setor financeiro têm alcançado resultados tímidos,
embora, após a crise internacional motivada pelos subprimes em 2008, a governança mundial tenha atentado para o fato
de que é perigosíssima a liberdade excessiva concedida ao setor financeiro. A
pressão dos entes privados do sistema financeiro internacional, especialmente
dos bancos menores, levou o BIS a reduzir a obrigação de as instituições
financeiras terem caixa para pagar credores e clientes nas operações de curto
prazo e a adiar a o Acordo de Basileia III – que aumenta as reservas do capital
bancário para proteger-se de uma crise financeira de liquidez, fazendo os
bancos criarem um colchão de reservas de capital para serem usadas
em momentos de crise.
Se o LCR (requerimento mínimo de liquidez de 30 dias para pagar
todos os compromissos – de clientes e credores) já estivesse em vigor, menos da
metade dos 200 maiores bancos do mundo estaria de acordo com as regras. Assim,
a capacidade do sistema bancário para financiar uma recuperação da economia
global é incerta; ou seja, as operações arriscadas continuam e, se derem
errado, podem ameaçar depositantes e expor contribuintes a programas de resgate.
Felizmente, o grau de regulamentação e fiscalização do sistema
financeiro brasileiro cumpre esses requisitos com folga, todavia não se deve
incidir no equívoco de agir como se o País fosse uma “ilha”, já que, quando a
rede financeira mundial quebra, todo o sistema entra encadeadamente em colapso.
A saída é regular mais o mercado financeiro, pondo-o a salvo de
atividades perigosas e frívolas, como a securitização irresponsável e a
proliferação de lixos tóxicos – como são os derivativos exóticos –, e aumentar
os investimentos que façam crescer as forças produtivas. É preciso desenvolver
a produção para aproximar a economia da realidade, diminuindo o capital
simbólico. Para tanto, os governos deveriam modernizar a infraestrutura com
obras públicas que ajudem a sustentar sistemas políticos que socorram os
setores que enfrentam dificuldades econômicas e sociais.
Em suma, em um ordenamento globalizado, os Estados poderiam
exercer um papel maior na economia mundial, daqui por diante, afinal, é função
deles intervir, quando necessário, para organizar o sistema e impedir a
barbárie.
(Cruzeiro-DF,
12 de janeiro de 2014)