sexta-feira, 30 de maio de 2014

A SENSATEZ E A INSENSATEZ POLÍTICA

As maiores de todas as forças que afetam a insensatez política são a vaidade pelo poder, a incapacidade de prever um problema, a incapacidade de percebê-lo assim que o problema se manifesta, a incapacidade de tentar resolvê-lo após ter sido identificado e a incapacidade de ser bem-sucedido nas tentativas de solucioná-lo.  Deduz-se, portanto, que, em longo prazo, as próprias oligarquias políticas locais não garantirão os seus interesses (e o de suas famílias) se governarem uma cidade em colapso.
A insensatez política resulta da tentativa de negar evidências durante a condução política dos governos. Perceber a capacidade de governos cometerem erros com consequências nefastas é fundamental para que não deixemos novas armadilhas para as próximas gerações. Caberá aos próximos governantes do Distrito Federal ser a voz da razão para afirmar Brasília como espaço de liberdade responsável pelo seu desenvolvimento econômico e social com base em uma nova cidadania.
A incapacidade de prever um problema é comum em governos que não se dedicam a planejar estrategicamente. Prever com base na relação política, social e administrativa sistêmica possibilita a introdução de mudanças de forma programada, embora nem sempre seja possível prever uma mudança política ou o comportamento da sociedade – portanto a flexibilidade na previsão de variáveis também deve ser planejada. Então, um planejamento estratégico de longo prazo deve trabalhar para gerar opções de direções.
O grau de racionalidade das políticas sociais deve ser adaptável às vocações das localidades e do DF como um todo, bem como precisa estar sintonizado com certos aspectos irracionais do comportamento dos agentes políticos a fim de compensá-los com ajustes de previsão, percepção e resolução, já que nem tudo é sempre racional e a forma como as escolhas são estruturadas se torna importante para a tomada de decisões políticas. A população pode não ser suficientemente capaz de prever suas preferências futuras com a precisão que os modelos econômicos requerem, levando em conta as variáveis de mudança de rumo por escolha da própria sociedade.
Uma coisa é certa: a cegueira da sociedade em relação à aleatoriedade. Por tal motivo, a defasagem entre aquilo que os quadros políticos de um governo sabem e aquilo que pensam que sabem é sempre perigosamente elevada. Dessa forma, aquilo que não se sabe é mais relevante do que aquilo que se sabe.
O governante tem mais responsabilidade pelos resultados dos seus atos do que os outros cidadãos, mas a ética de responsabilidade, que, a princípio, seria prerrogativa do estadista, transfere-se, também, para os cidadãos. Vive-se num sistema de permissibilidades no seio da sociedade para o qual os governantes, as lideranças e todos os entes sociais são impotentes para modificá-lo de imediato ou em sua totalidade. Há de se reconhecer que a vontade social predomina, em prazo longo, sobre a vontade do governante, e a complacência com deslizes que podem comprometer o devir da sociedade é um problema a ser levado bastante a sério como um determinante do desenvolvimento.
Por exemplo: o Plano Real foi uma iniciativa do governo de Itamar Franco que solucionou, na primeira metade da década de 90, o problema da inflação, que vinha desde o início da década de 80, quando a projeção inflacionária já passava dos 5.000% ao ano. Isso ocorreu após várias tentativas desastradas de todos os governos a partir de João Batista de Figueiredo, ainda na ditadura militar. Até hoje, mais de 20 anos depois, após a implantação do Plano, ele não apresentou problemas sensíveis a ponto de ser descartado, mas, ao contrário, tem sido aprimorado, e possibilitou a melhoria do nível de vida da população brasileira. Foi, pois, uma demonstração de capacidade de ser bem sucedido na solução de um problema.
É claro que uma sociedade pode não conseguir antever um problema antes que ele surja por falta de experiência cultural prévia, como no caso das manadas de javalis no Sul do Brasil, que se revelam uma verdadeira praga para a agropecuária da região, como decorrência da introdução aqui daquele exótico animal europeu, mas que extrapolou o âmbito do criatório e gerou manadas agressivas à fauna, com grande poder de impacto destrutivo. Falsas analogias também podem induzir a que um problema não seja previsto.
De fato, muitos problemas são imperceptíveis, principalmente quando os governantes se mantêm a distância das comunidades, sem observar in loco o que está acontecendo. Sendo assim, é de bom alvitre o contato permanente com a comunidade e o funcionamento deveras participativo da população no poder local.
A tendência lenta, embora gradual, com que um problema começa a manifestar-se pode ser assaz imperceptível para que se possa prever o desastre que ele possa causar – como no caso da formação de ilhas de calor nas cidades e diversos problemas ambientais que, devagar, mas constantemente, vão-se espraiando por uma cidade ou região. São normalidades deslizantes ocultas por trás de flutuações confusas que vão deteriorando, aos poucos, a cidade, tornando difícil perceber um futuro que pode ser trágico para a sociedade.
A incapacidade de resolver um problema, mesmo após ter sido previsto e percebido dá-se, em muitas ocasiões, pela atitude egoísta, em benefício próprio das oligarquias, mesmo que por intermédio de um comportamento nocivo à sociedade. É um sintoma imoral motivado pela perspectiva gananciosa de auferir maiores ganhos financeiros e patrimoniais à custa de perdas irreparáveis à cidade.
Note-se o mal que a especulação imobiliária fez em Águas Claras com relação à sustentabilidade do Distrito Federal em questões como caos urbano, atravancamento do sistema de transporte, congestionamentos, falta de mobilidade e acessibilidade, prejuízos ao meio ambiente. Foi um egoísmo desse tipo, no Brasil, que extinguiu da natureza o jacarandá. A falta de comedimento leva a própria população a invadir áreas públicas sob o pretexto de que “o vizinho o fez, então eu também irei fazê-lo!”; o pior é que objetivos eleitoreiros conduzem maus políticos a regularizarem tais invasões, para prejuízo e destruição do bem comum das gerações futuras.
É comum não se tentar resolver problemas já percebidos pelo simples fato de que a manutenção de tais problemas é boa para uma parte das elites poderosas. É preciso que se abandonem valores arraigados na cultura e na história da população quando eles passam a ser incompatíveis com a sobrevivência coletiva. São posturas assim que fazem com que certas sociedades sejam bem sucedidas e sobrevivam felizes pela história adentro, enquanto outras, por efetuarem escolhas erradas, fracassam e deixam de existir.
(Cruzeiro-DF, 29 de maio de 2014)

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